Casei-me aos 20 anos e deixei a casa dos meus pais para ir morar com os meus sogros. As minhas filhas mais velhas – a mais nova está longe ainda desse dia estranho e angustiante – escapando ao erro do casamento precoce, não caíram assim num segundo e fatal equívoco que é o de começar a vida num espaço que não é nosso. E também por volta dos 20, 21 anos, criaram, as três, a sua independência e delimitaram o seu território. Vê-las partir, em tempos e circunstâncias diferentes embora, primeiro pelos curtos períodos que antecedem a grande viagem, logo depois em definitivo, não foi fácil. Achamos, talvez, que essa separação se dará um dia, mais tarde do que acontece, sempre demasiado cedo para o investimento feito no escudo de protecção que julgámos eternamente necessário e que acaba, inútil e carregado de pó, no sótão de um passado de que só resta memória e nostalgia. Quem disse que os filhos não são nossos, mas do Mundo, acertou. Escusava era de ser tão cruel.
O meu caso é porventura especial porque viver com este espécime, debaixo do mesmo tecto é tarefa complexa. Sigo regras – as que herdei e as que adoptei – que aplico com rigidez tal que dou comigo, por vezes, a considerá-las excessivas. E os filhos, em particular quando chega a adolescência, transformam-se em indomáveis conquistadores de espaços, dos seus espaços, e deixam de querer suportar princípios a que não deram nem contributo, nem aval. Ficar com os pais para além dos 30 anos, por outro lado, significará mais dependência financeira do que presença de ligação afectiva tão forte que os laços de uma relação permanente e asfixiante sejam impossíveis de quebrar.
Já o aparecimento da SÁBADO, há dez anos – recordo o frente-a-frente de Sócrates com Santana, promovido pelo Octávio Ribeiro, e parece-me que foi ontem… – constituiu a chegada de um filho a casa. Porque foi na Cofina, com os seus quadros e sinergias, que se teve a visão de fazer nascer um irmão que depressa se tornou numa referência, um título lido por 416 mil leitores (Bareme/Marktest). Agora, dobrada uma década, partimos para novo ciclo marcado, como o anterior, por entusiasmo, exigência, rigor e qualidade.
Com 450 crónicas publicadas, devo um agradecimento aos que me lêem pela imensa paciência com que aturam as minhas considerações avulsas, certas ou erradas, mornas ou arrebatadas, interessantes ou estúpidas, mas sempre saídas da cabeça de um livre pensador que não tem amarras, nem conhece tutores. Não precisarei que esta revista chegue aos 20 anos para sair de casa, o tempo também impõe regras. Mas até ao último Observador aqui desfrutarei do maior privilégio que um jornalista pode ter: o de ser lido. Obrigado.
Observador, Sábado, edição do 10.º aniversário, 7MAIO2014
Uma década de privilégio (a propósito dos 10 anos da Sábado)
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