Alexandre Pais

Um verificador-sindicalista protesta e eu vou na conversa e respondo-lhe

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Caro Senhor Alexandre Pais

Ao ler o seu artigo de opinião, publicado na revista “Sábado”  de 28 de Outubro de 2010, senti obrigação de lhe enviar esta pequena missiva.

Realmente o artigo sobre a Alfândega, objecto do seu primeiro comentário, é mau de mais para ser verdade. Efectivamente o autor do artigo em questão, ainda tem um longo caminho para fazer, se é que alguma vez vai conseguir atingir o mérito de ser jornalista.

Caro senhor Alexandre Pais, no que diz respeito ao seu artigo de opinião, gostei imenso da frase inicial (bold azul) bem como da sua opinião a propósito dos verificadores aduaneiros (aqueles reaccionários que abrem as malas dos passageiros).

Será que o Senhor Alexandre Pais, porventura, alguma vez foi incomodado pelos agentes de que fala no seu artigo, se isso aconteceu faz muito bem em demonstrar a sua indignação, isto porque, estou certo que o Senhor tem sempre um comportamento exemplar quando passa a fronteira da União Europeia.

Comissão de trabalhadores da Autoeuropa, movimento sindicalista. Bem nesta parte do seu artigo de opinião fiquei com uma dúvida… será que o senhor sabe o que é uma Comissão de trabalhadores? Será que o Senhor sabe o que é o movimento sindical (sem qualquer intenção de ofensa)

(..)Serão apenas berros contra a dura realidade: falimos., (fim do artigo de opinião)

Caro Senhor Alexandre Pais, sinceramente devo dizer-lhe que pensava não fazer greve no dia 24 de Novembro, mas o Senhor convenceu-me a fazer,  infelizmente faço parte do “povão” que gosta de soltar berros contra as duras realidades! No entanto, como sou verificador aduaneiro sempre que faço greve vou trabalhar, a segurança do país está em primeiro lugar (mesmo sem salário).

A Alfândega não foi uma invenção do salazarismo, tem uma história que remonta aos tempos da  fundação da nacionalidade.

No meu caso como trabalhador, desempenho funções na Alfândega portuguesa, vai para 23 anos, com prazer e orgulho por contribuir para o bem-estar da sociedade global! (incluindo o Senhor Alexandre Pais e respectiva família).

No caso do Senhor Alexandre Pais, se me permite a ousadia gostava de lhe pôr a seguinte pergunta:

– Alguma vez na sua vida se questionou se a sua actividade profissional  ou privada, acrescenta algum valor ao país e à sociedade global?

Aproveito esta oportunidade para o informar que  “espaço Schengen” nada tem que ver com a organização do espaço aduaneiro na U.E.

Se não achar pretensioso da minha parte, gostava de o convidar para tomar um “copo” um dia destes.

Com os melhores cumprimentos

Fernando Ramos

Verificador aduaneiro, membro do secretariado da Comissão Nacional de Trabalhadores das Alfândegas Portuguesas

A MINHA RESPOSTA

Caro Senhor Fernando Ramos

Começo por agradecer o ter-se dado à maçada de me dirigir estas palavras, ainda que compreenda ser difícil a um sindicalista ficar calado quando não se toca a cassete que gosta de ouvir.

Agradeço a seguir o facto de achar que eu ainda tenho um longo caminho a percorrer para ser jornalista, algo que me toca profundamente vindo de alguém que percebe tanto de jornalismo. E que é, ao mesmo tempo, revelador da seriedade com que escreve.

Agradeço ainda que admita a probabilidade de eu ter um comportamento exemplar no atravessamento das fronteiras e de já ter sido incomodado – e bastante, e demasiado – pelos seus camaradas. Ambas as situações são verdade.

Quanto a saber o que é uma comissão de trabalhadores, não sei eu outra coisa, já que tive a oportunidade, ao longo da vida, de integrar diversas “comissões”, incluindo “de trabalhadores”. Aí também nada tem para me ensinar.

Sobre o “movimento sindical”, sim. Nessa área, como terá o curso completo, talvez me pudesse dar umas dicas. Mas se me viesse tentar impingir que os sindicatos nada têm a ver com comissões de trabalhadores, aí estaria a dar-me baile e ficaria a dançar sozinho.

Afirma, depois, que não tencionava fazer greve no dia 24 e que vai aderir só por causa do meu artigo. Se nos conhecêssemos, teria de lhe chamar mentiroso, já que o “perfil” que o seu texto permite desvendar mostra-nos que não gostaria, provavelmente, de fazer outra coisa na vida.

Lembra que a alfândega não foi uma invenção do salazarismo e eu acrescento que ela conheceu, durante a “longa noite”, o seu período de maior fulgor – até garrafas de coca-cola tínhamos de despejar à saída de Badajoz… 

Mais um agradecimento ao sr. Ramos: os cuidados postos no bem estar da “sociedade global”, incluindo a minha e a da minha família – e neste ponto interrompo a ironia.

Quanto à pergunta sobre a utilidade do meu trabalho para a “sociedade global”, a resposta levar-nos-ia longe, já que uma discussão em torno do tema nos permitiria pôr tudo em causa porque nada, nem ninguém, seria suficientemente “útil”. Exceto os “verificadores”, claro.

O “espaço Schengen” nada tem que ver com a organização do espaço aduaneiro na UE? Mas a mim não me interessa se tem ou não tem. Limito-me a dar o exemplo de aeroportos de países do espaço Schengen que não põem “verificadores” em cima dos passageiros da União ou, mais simplesmente, o do aeroporto de Madrid, onde um voo de Lisboa é encarado como se fosse um voo regional e os passageiros deixam as instalações sem o incómodo de passarem por qualquer posto aduaneiro.

Se ao entrar em Portugal passo as fronteiras terrestres sem “verificadores”, por que tenho que me submeter à sua “verificação” – ostensiva e insolente tantas vezes – no aeroporto da Portela? Até admito que a culpa não seja dos profissionais alfandegários, mas de quem os obriga àquela figura, mas isso não preocupa o sr. Fernando Ramos, que parece até gostar da função intimidatória de suposta defesa da “sociedade global”.

Finalmente, o convite para um “copo”… Como acontece que não gosto de “copos”, se fosse para um café era capaz de não dizer que não, embora discutir questões de trabalho com um sindicalista seja quase o mesmo que debater teologia com um padre. E depois, como eu ainda não “consegui o mérito de ser jornalista”, em que qualidade participaria na conversa? Na de simples ignorante? Bem, aí não me importaria, afinal, tenho noção da minha pequenez face à grandeza dos problemas, mas ter de levar com o autoconvencimento da “sabedoria” do “professor” seria dose excessiva…

Caro Sr. Fernando Ramos, desejo-lhe boa saúde, muitos anos de vida, a continuidade da sua luta pelo “bem estar da sociedade global” e uma greve geral que lhe dê a realização que a atual brandura aduaneira (europeia? global? do espaço Schengen? de Marte? quero lá saber!) lhe não permite alcançar nos aeroportos nacionais.

Alexandre Pais

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