Um dos maiores problemas que enfrenta quem tem hoje responsabilidades editoriais é o das apostas individuais. Trata-se de uma dificuldade que se soma à perda dos hábitos de leitura em papel e ao desinvestimento feito pelas empresas, na tentativa de diminuírem custos, e que já aqui referi.
Se houvesse mais estudos de mercado – e vontade para os fazer e para os pagar – sobre o tipo de leitor que tem cada publicação e os verdadeiros interesses do seu público-alvo, as direcções saberiam, com forte probabilidade de acerto, o caminho a seguir. Como de uma forma geral não contam com esse apoio, resta aos desesperados recorrer aos achódromos pessoais – e por vezes, mas nem sempre, aos acho que do estreito círculo que os rodeia – e introduzir as alterações, de forma e de conteúdo, que lhes parece que os seus leitores aprovarão.
Na maior parte dos casos, infelizmente, os achódromos não passam de autoconvencimento, as alterações editoriais resultam em asneira, os títulos perdem ainda mais compradores e as administrações, que se entregaram nas mãos de magos que tudo julgavam poder resolver, aparecem a pedir contas.
Manda o bom senso, nesta esquina da vida do papel impresso, que as editoras, como qualquer empresa de vanguarda, identifiquem mentes brilhantes, gente jovem e ambiciosa que possa, simplesmente, pensar antes de saltar para o vazio.
Observador, Sábado, 16OUT14
Um trabalho muito difícil – 2
Referi aqui a semana passada a queda de três diretores de jornais diários, que associei à brutal descida das vendas que afecta esses títulos (JN, DN e Record), e sublinhei as dificuldades com que luta quem dirige publicações comercializadas em banca, numa época em que agoniza o hábito de adquirir informação em papel.
Quero hoje apontar outros dois obstáculos que se erguem à liderança dos projetos jornalísticos: o desinvestimento editorial e as apostas individuais, que desenvolverei depois – talvez já para a semana. Quanto ao primeiro, trata-se de um fenómeno e de uma necessidade.
Fenómeno porque os antigos editores foram sendo substituídos por acionistas que têm, de jornais e revistas, uma visão mais financeira e menos romântica, e que contratam gestores para decidirem com base em fatores quase exclusivamente relacionados com o dinheiro.
Necessidade porque vários títulos já não se publicariam se não tivessem respondido à quebra de receitas com as redução de custos em salários e colaborações, papel e impressão, deslocações, refeições de serviço e uma série infindável de despesas, todas importantíssimas – mas muitas totalmente desnecessárias.
O problema é que o emagrecimento de recursos, humanos e materiais, se esgota mal acabe a carne e nos reste, para gerir, apenas o osso. Conseguir sobreviver após respirar esta pesada nuvem de gás sarin é o desafio que se coloca a jornalistas impreparados, erradamente formados não nas empresas, mas na escola da notícia.
Observador, Sábado 11SET14
Um trabalho muito difícil – 1
Em menos de um mês, três diretores de grandes diários de circulação nacional perderam os seus cargos. Manuel Tavares, João Marcelino e João Querido Manha deixaram, respectivamente, Jornal de Notícias, Diário de Notícias e Record, cujas redacções lideravam há três, sete e apenas um ano. Não eram empregos para a vida, longe disso, antes lugares de enorme desgaste, nos quais se luta, diariamente, contra o galopante desaparecimento do papel e a falta de receitas nas cada vez mais procuradas edições digitais.
Não é preciso recuar aos anos dourados do fim do século 20, fiquemos por 2004. De então para cá, o JN caiu de 112.150 exemplares em banca para os 52.685 do primeiro semestre de 2014 (menos 53%), o DN desceu de 39.094 para 11.965 (menos 69,4%) e o Record veio dos 91.544 exemplares em banca no ano do Europeu de futebol para os actuais 42.156 (menos 54%), boa parte deles da minha própria responsabilidade. São 500 milhões de exemplares perdidos numa década só por esses três títulos, o que torna a gestão muito difícil, obriga a redução drástica de custos e leva as administrações a cortar cabeças na esperança de que um milagre possa acontecer.
Não é brilhante a herança que António Magalhães recebe das direções anteriores, mas grande é o talento e a vontade – dele e da sua equipa. Sorte, amigos!
Observador, Sábado, 4SET14
Dirigir publicações: um trabalho muito difícil – 3
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