No início do milénio, quando tive de dirigir um jornal tablóide, senti necessidade de deixar o carro em casa e andar de metro: refugiado, há vários anos, na minha zona de conforto, tinha perdido a noção do país real. A tragédia de Tondela, mais uma, fez-me pôr de novo o foco nesse chão onde tudo acontece, terra infértil avessa a alegrias e que parece apenas capaz de produzir desgraças.
Com a descrição do terror – houve também quem falasse em “terror” após o abanico de Arraiolos, que falta de consciência da dimensão das coisas! – vieram os habituais comentários técnicos e as sempre implacáveis críticas aos comportamentos. Como se as associações de aldeia, erguidas e mantidas com o esforço e as parcas economias de populações rurais, pólos agregadores do convivio e da solidariedade do que resta do nosso interior, pudessem ser mais do que são: exemplos de generosidade, sim, mas acima de tudo espelhos de uma sociedade de gente pobre, a quem a partilha e o afeto só podem chegar dos que lhe estão próximos.
O Estado abandonou-os e o Estado somos nós. Vir agora com a conversa das inspeções, dos seguros ou das portas com barras de segurança é não entender, nada, do realmente miserável país onde vivemos.
Antena paranoica, Correio da Manhã, 20JAN18
Gente pobre sem barras de segurança
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