1. Se não me falham as contas, esta é a minha crónica n.º 300 nas páginas de Sociedade da SÁBADO. Como sei que há leitores que me acompanham desde a data do primeiro delito, em Maio de 2004, aqui temos nova confirmação da incrível resistência do ser humano. Agradeço a todos os que fazem o favor de me aturar, até porque sei que nem sempre fui exacto e muitas vezes escrevi mesmo o que não se justificaria. Mas não prometo emendar-me, é tarde.
2. Almeida Santos classificou de “cruel” o amargo discurso de vitória de Cavaco Silva, que seguiu o exemplo de Breno, o chefe celta que proferiu o célebre vae victis (ai dos vencidos). Também gostaria que o Presidente tivesse sido magnânimo na hora do triunfo, mas sejamos lúcidos: uma pessoa de bem deve ignorar as calúnias, aceitar com um sorriso todas as injúrias e no fim agradecer ainda o clima de suspeição malevolamente criado à sua volta?
3. Depois do check-up anual, disseram-me para consultar um gastroenterologista por causa do famigerado helicobacter pylori, que vive no estômago de 70% dos portugueses. Escolhi um ao acaso e a que porta fui bater? Nada menos que à do lendário Mário Quina, medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Roma, em 1960, e em plena forma, física e mental, aos 81 anos. Claro que fui logo repreendido pelo pouco espaço que o Record dá à vela. Sim, professor, mas então… e o tal de pylori? “Na sua idade, meu amigo, já não vale a pena combater o bichinho…” No mínimo, vou ter de rever certas opções editoriais.
4. A demagogia anda por aí, à solta, sem travão. Agora, estão na mira os salários elevados das empresas públicas – muitos, em boa verdade, injustificados e até aberrantes – e as reformas ditas de luxo, ou seja, todas aquelas que atinjam os 3 mil euros. Miguel Relvas avalizou esses ventos de inveja social quando anunciou um tecto para as pensões “independentemente do que se descontou”. A seguir, será o ataque aos salários das empresas privadas, em particular aos que já pagam 47% de IRS. Mas como? Bem, de um Estado que elege um Presidente da República e o põe a trabalhar sem lhe pagar já tudo se espera.
5. Indo ao tema da semana, o beijo… A tentação é recordar a adolescência e a perseguição que os guardas dos jardins – sim, guardas, fardados e tudo – faziam nessa altura aos namorados, na tentativa de os apanhar em flagrante, deter, identificar e multar. Mas prefiro ficar-me no presente e na confissão de uma fantasia que espero se torne realidade um dia: a de subir as escadas rolantes de um centro comercial aos beijos à minha mulher, como é prática de alguns felizes casalinhos. Talvez com a divulgação deste desejo ela ceda na irada recusa de se prestar a esse papel. Sim, querida, vá lá, que mal é que tem?
Observador, crónica publicada na edição impressa da Sábado de 3 fevereiro 2011