Alexandre Pais

Sousa Cintra é o grande mestre da sobrevivência

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Em 1989, quando Sousa Cintra foi eleito presidente do Sporting, aos 44 anos, no Portugal sem televisão privada e sem internet ele tornou-se no homem do momento. Recordo que no início de 1990 a revista “Élan” lhe fez uma entrevista de vida, assinada pelo José Neves de Sousa, que levou a minha filha Teresa como assistente. As fotos efetuaram-se junto aos ascensores do Hotel Tivoli, por onde o jovem Cintra passara, sublinhando-se com isso que o empresário de sucesso subira a corda a pulso.
Nos anos seguintes, Sousa Cintra ficaria muito popular entre os jornalistas, pela disponibilidade e pela frontalidade do discurso, pelo deslumbramento que não escondia, pelo dicionário peculiar a que recorria – e a que continua a recorrer pelo que se lhe tem ouvido por estes dias – mas igualmente por terminar as conversas com paletes de refrigerantes, garrafas de água e pacotes de batatas fritas que distribuía pelos repórteres. Ficou até lendário o episódio que interpretou ao volante do seu Mercedes, quando dava boleia a alguns repórteres: acabou de beber água de uma garrafa e lançou-a pela janela, que julgava aberta… mas que tinha, afinal, o vidro fechado. Seguiu-se o impropério resultante da cena caricata e o riso generalizado.
Talvez por achar que Sousa Cintra teve a sua época e que o Mundo é outro, alinhei nas críticas em que se dava a escolha para integrar o Conselho Diretivo dos leões e liderar a SAD como uma pataratice de Jaime Marta Soares. Afinal, a história não se repete e quase um quarto de século depois de deixar a presidência dos leões e já para lá dos 70 anos, tudo indicava que teria, neste regresso ao Sporting, tanta sorte como a das cervejas Cintra. Felizmente, enganei-me, o homem está vivo, amadureceu, sabe o que faz e tem metido – com lucidez, determinação e amor à causa – mãos à obra de salvação leonina. Ou não fosse ele um mestre da sobrevivência.
Em menos de um mês, Cintra devolveu a tranquilidade possível a Alvalade, despachou o treinador sérvio – e outros cavalos de Troia, com exceção de um, que por lá resiste para vir contar o que se passa –, tentou o regresso de Jorge Jesus, chamou José Peseiro, contratou Nani, recuperou Bruno Fernandes e Bas Dost, vendeu bem Piccini, está no tudo por tudo por Battaglia e Rafael Leão, e vai reforçando o plantel de modo a mitigar os efeitos negativos do que já não pôde travar: as saídas de Rui Patrício, William, Podence, Rúben Ribeiro e Gelson – e a consequente perda de muitos milhões de euros. Milagres, Sousa Cintra não consegue fazer, mas o trabalho que tem vindo a desenvolver é simplesmente notável.
O parágrafo final vai para o Tour, que acompanho sem a emoção do passado. Desde que Lance Armstrong caiu em desgraça que tenho a sensação, a cada edição, que os vencedores de hoje têm fortes probabilidades de serem apeados amanhã. Aconteceu com Pantani, Ullrich e Basso, ainda não há muito com Alberto Contador, e Froome está já também sob suspeita. E depois, ver um duelo entre dois britânicos – e da mesma equipa – pelas estradas de França não é propriamente estimulante. Talvez a última semana e os Pirinéus tragam algo de novo, mas por mim vou dando a coisa como perdida.
Outra vez segunda-feira, Record, 23JUL18

Por Alexandre Pais
Alexandre Pais

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