Alexandre Pais

Simeone será a desgraça de João Félix

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Não sei se Renato Sanches tem consciência do erro que cometeu ao aceitar que o Bayern desse por ele 35 milhões de euros ao Benfica – mais 45 milhões por objetivos, música para embalar. O clube de Munique não era o indicado para o futebolista, então com 18 anos, e a altura para a transferência também não era a certa. Pelo menos para Renato, já que os encarnados preferiram vender bem, em 2016, do que ficar à espera de poder faturar melhor, correndo o risco de o médio não confirmar o seu talento e não voltar a valer tanto dinheiro.
Em outubro, vimos, na Seleção, como o potencial de Bruma se mantinha intacto e a verdade é que, seis anos depois da opção errada pela Turquia, o ainda promissor avançado continua invisível, envolvido pela bruma de Leipzig. Aos 24 anos, ter-se-á perdido de vez para o mais alto nível, um jogador que soma 78 (!) presenças nas seleções jovens?
Recordo os casos de Bruma e de Renato Sanches a propósito de João Félix, e podia referir igualmente Bernardo Silva e Gonçalo Guedes, estes para sublinhar que saíram do Benfica já com 20 anos, Bernardo para a escola de Leonardo Jardim, no Mónaco, Gonçalo num salto mais complicado para o PSG – mas com duas temporadas “consolidadas” na primeira equipa do Benfica, outra conversa.
Quando Eusébio reinava, todo o jovem negro com um futebol de melhor qualidade – as fantasias começaram com um tal Carlitos… – era logo apontado como a “nova pantera”. Hoje, procuramos desesperadamente um novo Cristiano Ronaldo, tarefa para o resto do século.
João Félix é, por enquanto, um epifenómeno nascido da visão de Bruno Lage e que meia época brilhante transformou em coqueluche do futebol europeu. Fernando Santos subiu a esse barco do amor e da euforia, e meteu Félix a titular contra a Suíça, substituiu-o a meio da partida e “esqueceu-se” completamente dele na final da Liga das Nações – com a mesma frieza com que tremeu a mão dos que iam assinar o cheque de 120 milhões.
Certo é que João Félix não parece pronto para partir sozinho rumo à linha do horizonte. Falta-lhe alguma experiência como jogador, alguma massa muscular como atleta, alguma maturidade como pessoa – aqueles “calduços” de Bruno Fernandes, à frente das câmaras de TV, são um sinal preocupante. Mas tivesse o jovem benfiquista, isolado diante da baliza helvética e perto do intervalo, concretizado em golo o passe fenomenal de Cristiano – que olhou para um lado e passou a bola para o lado oposto… – e outro galo cantaria porque o futebol é o momento. O interesse dos tubarões – City, Real, MU, Barcelona, Juventus ou PSG – pode ter morrido aí, a vida é o que é. E restou o Atlético de Madrid.
Um ano: é o que João Félix necessitaria para concluir a sua licenciatura futebolística e poder tirar o mestrado num grande europeu… que não fosse o Atlético. Que sentido haverá – para mais com o Mundial à vista – em trocar o Benfica, e os 30 e tal golos que marcaria na próxima temporada, por um técnico que o quer para gladiador? Simeone é um estratega duro, um condicionador de talentos, e será a desgraça de João Félix. Mas se ele quiser desgastar-se nas vindas atrás e nas marcações, e seguir o caminho de Gaitán e de Gelson Martins – outros que não souberam escolher –, deve optar pelo Wanda e preparar-se para se arrepender em poucos meses.
Claro que o Benfica deveria chegar-se à frente, se ainda fosse a tempo de segurar a sua pérola – e talvez não. Aumentar o salário e ter um apetite menos voraz na subida da cláusula de rescisão ajudaria. Mas o jogador precisava de sentir-se mais importante que a caterva de milhões que Vieira exige por ele. E embora a camisola 10 não tenha hoje o significado técnico de outrora – nem haja mais Decos, nem Ruis Costa –, atribuir esse número carregado de simbolismo a Félix constituiria o estímulo que o podia conduzir à sabedoria de ficar mais um ano na Luz. Sim, eu sei que o “10” pertence a Jonas, o que não acredito é que o Benfica e o brasileiro queiram manter uma relação que a lei da vida tornou num equívoco.
O problema resume-se à pergunta: terá João Félix a sorte de perceber que faz mal se partir já? Duvido, aos 19 anos, o dinheiro não é bom conselheiro e outros maus conselhos não faltam para nos encher a cabeça.
Versão integral da crónica Outra vez segunda-feira, Record, 17junho19

Por Alexandre Pais
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