Alexandre Pais

Reflexões de inverno

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1. O que posso escrever sobre os basejumpers? Eu, que pratiquei as atividades mais radicais da época da minha infância, andar de patins com rodas e de bicicleta, e que várias vezes me decorei com umas boas doses de mercurocromo? Eu, que só de ver no Facebook o vídeo de uma das minhas filhas a descer em pára-quedas ia morrendo? Ná, prefiro a lareira acesa, confesso.
2. Não me lembro de um inverno em que tenham perecido tantas pessoas por força da fúria da Natureza. De canoístas a pescadores, de crianças a veteranos, de analfabetos a doutores, todos, por um segundo ao menos, esqueceram o poder traiçoeiro e cruel dos elementos. E pagaram-no com a vida.
3. Não queria estar na pele das famílias que, na praia do Meco, ficaram sem uma das suas luzes mais brilhantes. Que terrível sofrimento. Mas reconheço o meu espanto pelos holofotes que viram contra o homem que sobreviveu – que terá, obviamente, de contar um dia todos os pormenores da tragédia – em vez de apontarem o dedo à perturbação que lhes provocou a perda: as praxes, mania estúpida que a cada ano deixa vítimas e a que se submeteram, por vontade própria, não só o suposto mentor como os adultos desaparecidos.
4. Vejo na TV um homem que burlou diversas seguradoras a chegar ao tribunal algemado e recordo imagens de pedófilos e assassinos que se apresentam em juízo de mãos nos bolsos, como se nada fosse com eles. É Portugal, eu sei. Bem fazem os americanos quando tratam todos os criminosos por igual. Ias a conduzir bêbado ou drogado? Vira-te de costas e dá cá os pulsos.
5. Esquecida a decisão irrevogável e ultrapassada a linha que não se podia transpor, Paulo Portas e o seu instinto de sobrevivência  preocupam-se agora com as eleições legislativas do ano que vem e agitam a bandeira da redução do IRS. Esbarram, claro, no nariz torcido de Passos Coelho e na sua obsessiva convicção. Uma coisa é certa: terão de se entender para retirar um meiozinho por cento que seja ao confisco fiscal e assim iludir os parolos.
6. Nós, canalha urbana, ignoramos mesmo o país real. Se as vaias ao primeiro-ministro fazem parte do dia a dia, o que talvez não estivesse nas previsões era o motivo dos últimos apupos: a exigência da construção do Metro do Mondego. Não se duvida da falta que fará às populações da região, mas na altura em que tantos portugueses se angustiam com a simples ida ao supermercado, a exigência de um metro parece, não o sendo embora, um absurdo.
7. Passos Coelho não quer o professor Marcelo como candidato do PSD a Belém. Mais do que evitar a derrota da direita, interessa ao líder passar a fatura pelas críticas ao seu desempenho. Com aquele ego, crianças, não se brinca.
Observador, Sábado, 23JAN14

Por Alexandre Pais
Alexandre Pais

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