Alexandre Pais

Para criticar Jorge Jesus há que voltar à gramática

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Se alguém tinha dúvidas quanto à forte personalidade de Jorge Jesus e à sua capacidade para liderar homens – capacidade que se revela, sem enganos, nos momentos mais difíceis da vida – bem pode voltar-se para os estafados pontapés na gramática porque de outro modo não vai lá.
Nas novas imagens do assalto à academia do Sporting comecei por não encontrar nada de inesperado ou que verdadeiramente me impressionasse, desde a cumplicidade interna no desvio das câmaras de vídeo à selvajaria das tochas para cima dos automóveis. Mas acabei tocado pelo comportamento de Jorge Jesus, pela sua coragem física – aos 64 anos, idade em que para alguma imprensa já se é “idoso”… – e pelo decisivo contributo que deu para que as consequências do ataque não fossem ainda mais graves.
Como gente para opinar nunca falta no “achódromo”, houve logo quem criticasse a mão de Jesus no ombro de um dos invasores, como se, naquelas circunstâncias, a contemporização e os apelos já não digo à razão mas ao comedimento possível, em gente que chegou doutrinada, não constituíssem a única estratégia da casca de noz no mar revolto. E tudo aconteceu jamais podendo o treinador pensar que um dia as imagens da loucura seriam do domínio público! Ou seja, ali era ele praticamente sozinho frente à impunidade e à destruição, não havia nem tempo nem condições para gestos para a galeria. Chapeau!
Apesar do banho de futebol que a Itália nos deu na primeira parte, a Seleção mereceu a passagem à fase final da Liga das Nações e manter-se-á, haja o que houver, como uma das quatro melhores turmas nacionais da Europa.
Voltámos a casa com mais um excelente resultado – o esclarecimento tático, a atitude coletiva e a coesão da equipa são claramente obra do selecionador –, conseguido, aliás, sem três jogadores-chave. Sem Cristiano, desta feita uma falta que me parece absurda, sem Pepe, castigado, e sem Bernardo Silva, que se limitou a estar em campo, quase sem bola e com acerto reduzido quando dela dispôs. Jogasse Bernardo ao nível com que terminou o Mundial e talvez tivéssemos saído de Milão com um marcador ainda mais positivo. Quanto ao resto, toda a defesa e William com nota alta, mas Pizzi e Rúben Neves infelizmente bem abaixo daquilo a que nos habituaram. Tal como Bruma, que “cheira” estar a um passo de uma exibição de gala que o coloque, em definitivo, no patamar dos grandes avançados europeus.
Quem tanto reclamou do que dizia ser o insuficiente “rejuvenescimento” da Seleção, já deve estar satisfeito, pois a renovação decorre sem quebra de objetivos, por muito que por vezes nos dê a nostalgia: as ausências de Ricardo Quaresma, Bruno Alves, Adrien, Moutinho, Manuel Fernandes, Nani, Anthony Lopes, Vieirinha, Antunes, Ricardo Pereira e até Miguel Veloso, titulares dos atuais clubes, e outros como Nelson Semedo, Rony Lopes e Sérgio Oliveira são prova da qualidade dos ora eleitos de Fernando Santos. Como vão longe os anos contaminados da “porcaria” a que se referia Carlos Queiroz…
O parágrafo final é hoje curto. Serve apenas para sublinhar o que na passada semana uma vez mais se confirmou: a velha ideia de uma justiça forte para os cidadãos anónimos e fraca para os que têm voz – e por estes tempos considerados famosos, ainda que a fama lhes tenha entrado pela porta das piores razões.
Outra vez segunda-feira, Record, 19NOV18

Por Alexandre Pais
Alexandre Pais

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