“Palavras para quê? Somos portugueses e estamos a conquistar outra vez os mundos… Forte abraço desde aqui, volto em breve…” – mensagem de André Romeiras, em email para a redacção, na véspera do acidente
Fui workaholic e obstinado, fiz viagens a Marte, tenho ascendência provinciana, uma costela espartana e algumas manias. A luta pela sobrevivência tornou-me amargo e desconfiado nas relações sociais – sou pouco dado a brincadeiras, em especial com pessoas que não conheço. E apanhei um susto dos diabos por estes dias, quando verifiquei que tenho os mesmos nomes do meio, Manuel Lopes Alexandre, que o tão poderoso juiz Carlos Alexandre. Simples coincidência, com a graça de Deus.
A verdade é que entrei na redacção do Record em 2003, de pé atrás com a corporação a que pertenço – não lhe pertencendo, pois fui sempre um pária numa classe de gente especial mas complicada. Já veremos porque vos conto isto.
Completam-se esta semana oito anos sobre o sábado terrível, que jamais esquecerei, em que o telemóvel tocou quando almoçava com a família, num restaurante de Carcavelos. Era o António Magalhães a comunicar-me, devastado, que um avião havia caído na Patagónia e que nele seguiam, com outras pessoas, os nossos camaradas de trabalho César de Oliveira, de 34 anos, e André Romeiras, de 28. Foram segundos de agonia, a que se seguiram horas de angústia e revolta, e mais tarde uma dor profunda que sei hoje que não será menos que um desgosto para o resto da vida.
A caminho da redacção, envergonhei-me: estava há três anos e meio no Record, éramos mais de uma centena de jornalistas e eu não conseguia ver bem o rosto do André Romeiras… Só pela fotografia o identifiquei – teríamos falado duas ou três vezes, circunstancialmente. Já com o César de Oliveira havia mais contacto porque ele era simplesmente um dos melhores, aceitara com grande reserva ser editor e tinha um estatuto que por vezes o obrigava a sair do seu canto e a comunicar com as chefias.
Se me arrependo de alguma coisa num percurso profissional tão longo e agitado é de ter mantido tamanha distância com aqueles que, na realidade, me ajudaram a cumprir objectivos e a apresentar os resultados que me permitiram chegar, incólume, ao final do meu ciclo no comando do jornal. Um director que não se esforça por conhecer bem todos e cada um dos que trabalham consigo comete um erro grave, por muito que se valorize a justificação: quem obedece aprecia pouco a proximidade de quem manda e menos ainda quando quem manda impõe regras – algo de abominável para a maioria dos jornalistas.
Com um sentimento misto de dor e má consciência centralizei a informação, escrevi e editei, há oito anos, as páginas onde explicámos a tragédia – com grandes dificuldades na recolha de dados – e evocámos os companheiros que foram de férias, prometeram voltar e nos falharam, e às suas famílias, desaparecendo tão injusta e brutalmente, em plena juventude. Desde então, um pequeno mural num recanto da redacção perpetua a sua memória e alimenta a nossa saudade. Mas nada poderá compensar-me pelo remorso de não os ter verdadeiramente conhecido e de só depois de partirem ter entendido que, afinal, havia uma besta que também os amava.
Quatro jovens que tinham um interesse comum
Descobrir era um prazer para o César de Oliveira, que por isso se transformou num trotamundos. A viagem, de 16 dias, que o levou à Patagónia – com o André Romeiras, a jornalista do Diário de Notícias, Maria José Margarido, e uma amiga, Cláudia Magalhães – iniciou-se em Buenos Aires e seguiu pela região dos lagos e vulcões, no Chile, passou pela ilha de Chiloé até chegar a Coyhaique. Aí alugaram um bimotor – um Beechcraft (o CC-CAC que vemos na foto tirada do helicóptero de resgate) – e seguiram na direcção da lagoa de São Rafael, sem saberem que no caminho era a morte que os aguardava, traiçoeira.
Parece que foi ontem, Sábado, 27NOV14
O sábado terrível que nos matou
O