Tive de chegar ao final da entrevista de Rui Pedro Soares, na edição de Record de sábado, para encontrar a melhor frase do seu depoimento e uma das poucas em que o discurso me pareceu razoável: “Estamos a fanatizar uma geração!” Imediatamente antes, o diretor da SAD azul justificava a opinião com “o mal que está na ser feito ao futebol e o ódio que está a ser introduzido”, por culpa dos três “grandes”, diz, e da “guerra mediática” que promovem e que “prejudica” os outros 15 clubes da liga.
Qualquer adepto desapaixonado estaria disponível para subscrever a teoria de Soares, não tivesse ela origem num gestor acusado pela direção do emblema do Restelo de incumprimento do compromisso assinado há cinco anos, e cuja ação divisionista e intolerante tem precisamente fomentado o ódio e despertado os fantasmas do fanatismo entre os fãs dos azuis. Como Frei Tomás, façam o que ele diz e não façam o que ele faz.
Deixemos então o arauto e retenhamos a mensagem, para desenvolver um pouco mais um tema a que já tenho aqui dedicado largo espaço. A última vez foi para sublinhar a influência nefasta dos ora muito na berra “diretores de comunicação”, correias de transmissão das estratégias dos seus patrões – e das palavras que estes necessitam que sejam ditas por interpostas pessoas. E temo, até, ter sido injusto, já que nem todos os jornalistas têm a sorte de poder ganhar a vida com o rabo sentado nas redações – uma postura saloia, aliás em fase de liquidação total.
São os líderes dos três “grandes” do futebol português – Luís Filipe Vieira, Pinto da Costa e Bruno de Carvalho – e não os seus múltiplos funcionários, bajuladores e cartilheiros, os maiores responsáveis pelo clima de ódio que alastra como uma epidemia. Curiosamente, qualquer um deles pode ufanar-se de ter estado com a razão e de ter sido vítima e não culpado um ror de vezes, e todos podem queixar-se de que a violência que os outros desenvolveram foi desproporcional à provocação que a motivou. O que não pode, nenhum deles, é orgulhar-se da grandeza do gesto superior que a situação impunha: o de não responder à mesquinhez adversária, em particular naqueles momentos em que sabe que a sua palavra desencadeará uma espiral de novos ressentimentos. É essa afirmação que falta no futebol português. Porque isso elevaria as rivalidades ao patamar de cima, baixaria o tom da acrimónia e deixaria nua uma pobre classe dirigente agarrada a salários que a vida profissional não lhe proporcionaria, e igualmente responsável pelo caos – de vergonha, descrédito e estádios vazios – onde sobrevive para desgraça coletiva.
O último parágrafo é hoje mais breve, tem “vaga” ligação ao tema desta crónica e resolve-se com duas perguntas e uma resposta. Ainda existe um secretário de Estado do Desporto? E serve para alguma coisa? Como não serve para nada, logo não existe.
Outra vez segunda-feira, Record, 13NOV17
O que falta no futebol português é um gesto de grandeza
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