O mau feitio de uma lenda

Da fama ele não se livra,
embora se lhe compreenda
o proveito: António Fagundes
não é considerado
um bom colega por alguns
dos seus pares, sendo famosos
episódios pouco cordatos
nas gravações das telenovelas.
Por exemplo, com a actriz
Susana Vieira, que não
tem nariz menos empinado
que o actor – além de ser
mãe de um ex-namorado de
uma das minhas filhas, o que
não sendo para aqui chamado
me acrescenta o currículo.
Mas reza também a história
que grande parte do mau feitio
de Fagundes tem a ver
com o seu inultrapassável
profissionalismo: é que se
vão com ele para o estúdio
gravar e não se deram à maçada
de decorar os textos,
vão ter problemas. E nada é
mais justo – com o trabalho
dos outros não se brinca.
Depois, há que ter em conta
a dimensão da figura. Por
mérito próprio, António Fagundes
tornou-se uma lenda.
Dezenas de papéis dos
mais variados tipos, desempenhados
a um nível sempre
muito alto, deram-lhe a aura
das estrelas.
Por simples acaso, esbarrei
há dias com Fagundes, em
Faro, no barco para a ilha
Deserta. De chapéu, e rosto
fechado, passou despercebido
e a ideia não podia ser outra.
Imagine-se o que seria a
sua vida se fizesse por dar
nas vistas e sorrisse para todos…
Por onde andaria a sua
noção de ridículo? Como
qualquer pessoa, António
Fagundes tem o direito de ser
como é. E sendo actor, só a
representar lhe é exigido que
nos agrade.
Observador, Sábado, 18SET14