Quando, terminado mais um dérbi perdido, Nélson Veríssimo veio dizer que o Benfica nunca abdicou do jogo, o véu ficou levantado: da ambição que, há já uns bons anos, Jorge Jesus incutiu à equipa da Luz, nada resta. Não abdicar dos jogos é agora uma qualidade a merecer encómios. Ao que se chegou.
Escrevi-o aqui na penúltima crónica: a crise que levou à saída de Jesus deixou marcas profundas que não se apagarão tão cedo. E cada dia que passar sem que Rui Costa limpe a estrutura do agente ou dos agentes tóxicos que permanecem, a tendência para que a situação se agrave aumentará – dentro e fora dos relvados.
É verdade que sem Otamendi, sem Rafa e sem Darwin os encarnados ficam substancialmente mais fracos, apesar das loas tecidas a um plantel que junta à excelência de alguns executantes uma meia dúzia de jogadores sem categoria para vestir a camisola das águias. Mas acima da qualidade dos profissionais em campo, o que me impressionou na final de Leiria foi a atitude dos leões, mais rápidos e mais determinados na disputa da bola. Antes do golo de Everton, jogador extraordinário, já era visível a diferença de postura, tal como a tranquilidade de Adán contrastava com o afã de Odysseas. Depois, aconteceu o que se esperava: Rúben Amorim a conquistar a terceira Taça da Liga… consecutiva.
Trata-se de uma consequência lógica. De um lado, havia um predestinado que criou e cimentou uma relação privilegiada com os homens que comanda, compensando as fragilidades de um plantel limitado com aquele espírito de grupo que sempre estará na origem dos grandes êxitos das modalidades coletivas. Do lado oposto, estava um treinador igual a outros, perturbado no próprio crescimento pela necessidade de ajudar o seu clube com a urgência do bombeiro que acorre à mata a arder. E enquanto Rui Costa não se impuser como líder, o Benfica continuará a ter uma equipa amorfa, sem ideias, sem intensidade, sem fé e sem ambição – e corroída pelo veneno da desconfiança e da intriga, para o qual só as vitórias são antídoto. E com uma solidariedade que parece só existir para barrar o treinador e mandá-lo para casa.
Ainda a propósito da final de sábado, protesto de novo pelo espetáculo, cada vez mais chocante, dos cavalheiros que estão nos bancos e se levantam, por algo, por nada e ao molho, para intimidar os adversários ou contestar as decisões dos árbitros. Quando se porá fim a este festim de terceiro mundo no futebol português? E já agora, alguém que explique a Nuno Santos que as câmaras de TV mostram tudo, pelo que seria melhor para ele e para o Sporting reservar o palavreado de taberna para os belos momentos em que estiver entre iguais.
Eu sei que se inventou esta história do ‘campeão de inverno’ para se valorizar a Taça da Liga, mas para mim, que venho de longe, a história ainda é o que era: o clube que liderar o campeonato no final da primeira volta é que é o tal, pelo que o ‘título’ já tinha dono. Sim, o meu ‘campeão de inverno’ é o FC Porto.
Derradeiro parágrafo para Rafael Nadal e para a aventura maravilhosa que culminou ontem, com a conquista do seu 21.º título do Grand Slam. Aos 35 anos e oito meses, Rafa resistiu mais de cinco (!) horas ao tremendo desgaste que lhe permitiu acabar por vencer e engrandecer a sua lenda. Foi um privilégio ter visto!
Outra vez segunda-feira, Record, 31jan22