As montanhas da Vuelta, que amanhã chegará
ao fim, devolveram-me o interesse pelo ciclismo, perdido desde que, após vários
barretes menores, me vi enganado pelo embusteiro-mor, Lance Armstrong, o raio
que o parta. Incrédulo perante o meu divórcio da modalidade – que julguei
definitivo, juro – esteve sempre o jornalista José Ribeiro, nos últimos anos
sentado na redacção ao meu lado e por isso conhecedor do que a casa gasta: “É
só a estrada empinar e lá volta tudo outra vez!”
Tinhas razão, Zé. Mas olha que a rendição é
aparente porque funciono agora ao contrário, ou seja, começo por considerar que
os ciclistas estão todos dopados e por não levar a sério as suas vitórias. Um
ano depois das corridas, aí sim, corrijo o estado de negação e disponho-me a aceitar
que talvez os vencedores não tivessem feito batota. Será, mesmo assim, uma mera
admissão do que possa ter sucedido, não vá, como aconteceu com Lance, a
confissão surgir daqui a muitos anos. Moral da história: não alinho mais em
conversas.
Então no caso desta edição da Volta à
Espanha, o cheiro a esturro ficou ontem mais intenso com a conquista da
camisola vermelha por parte de Chris Horner, um rapaz de quase 42 anos, a idade
de Armstrong – primeira coincidência –, norte-americano também – segunda
coincidência – e, em 2010 e 2011, companheiro de equipa, na Astana e na
RadioShack, de quem? De Lance Armstrong, nem mais, no seu mal sucedido regresso
ao ciclismo – terceira e funesta coincidência.
Hoje, dia de duelo definitivo, entre os
jogos do Manchester United e do Chelsea caberá como uma luva a transmissão
direta da etapa que finda no Alto do L’ Angliru, duríssima escalada e momento
decisivo da Vuelta, pois Horner e Nibali estão separados por 3 segundos. Torcerei
pelo fiel escudeiro do outro, reconheço, embora a facilidade com que, ao cabo
de três desgastantes semanas de prova, se vê aquele corpinho de 42 anos reagir
ao esforço, indo por ali acima, me faça recordar demasiado Marco Pantani – e o
“Pirata” estava na flor da vida.
Não quero saber: para mim, Horner está
dopado. Depois, se não estiver, sempre terei uma alegria.
Canto direto, publicado na edição impressa de Record de 14 setembro 2013