Alguém por estes dias escreveu no Twitter que, antes de Otelo, “Portugal era dor, lágrimas e sacrifício”. Era. E duvido muito que com um operacional mais dado a farroncas no seu lugar tivesse havido ‘25 de abril’. Estou grato a Otelo por isso e perdoo-lhe até a audácia de me ter citado nos manuscritos de preparação da revolução – que fui agora reler em ‘Alvorada em abril’ – e que me teriam enfiado na PIDE, sem saber porquê, caso tudo houvesse falhado.
O país dividiu-se com a partida de Otelo e raras foram as intervenções que não tivessem sido pautadas pela emoção, quer perseguindo o impossível de lhe apagar o nome da História, quer procurando endeusá-lo, esquecendo o seu outro eu. Sim porque houve outro Otelo, aquele que não aceitou o protagonismo perdido e avançou – como sublinhou Ramalho Eanes – para a “autoria de desvios políticos perversos, de nefastas consequências”.
Como mandante ou simples suporte moral do assassínio de pessoas inocentes, a esse Otelo não perdoo. E na hora do seu desaparecimento – preferindo recordá-lo pelo que foi e não por aquilo em que se transformou – saúdo em Manuel Castelo-Branco as famílias dos que, com dor e lágrimas, viram ser sacrificados aqueles que amavam.
Antena paranoica, Correio da Manhã, 31jul21
…e para que não restem dúvidas, aqui fica.