Preparemo-nos para um ano Medina Carreira. Desde logo com o próprio, todas as semanas na televisão a preencher as agendas de alguns jornalistas mandriões, que vivem da apologia da desgraça e do mel que escorre dessa fonte inesgotável. Depois, também com os aprendizes, que ao contrário do mestre, genuinamente convicto do terramoto iminente, procuram um lugar ao sol na árvore da fruta de todas as épocas: a da demagogia barata.
Portugal entra nos anos 10 com um horizonte carregado, é verdade. Ao drama do desemprego, que cavalga uma onda gigante pronta a rebentar com consequências devastadoras, junta-se o eterno problema do endividamento externo, que já ultrapassou os 100%, o recorrente mau funcionamento da Justiça, a escassez de investimento estrangeiro, o decréscimo das exportações e, talvez o mais importante de tudo, uma crise social assente na descredibilização crescente das instituições – metam elas políticos ou militares, banqueiros ou polícias, magistrados, religiosos ou jornalistas –, na perda de influência de valores, na profunda descrença nas potencialidades do País, e na prosperidade de uma seita demoníaca de fazedores de opinião, gente execrável apostada em conduzir-nos a um beco sem saída ou, melhor dizendo, a um beco onde se possa soterrar a democracia. Este é o perigo que corremos.
A confusão e a lentidão que dominam o sistema judiciário, a demolição acéfala do edifício castrense, o pântano em que se deixou manietar a comunicação social, a indiferença crescente das desconsideradas forças de segurança ou o empobrecimento das empresas e dos empresários geradores de emprego constituem o cocktail explosivo que ameaça os alicerces do Estado democrático. Mas não é certo que vença, não podemos deixar que vença. Porque ao contrário do que garantem, e esperam, os cépticos profissionais – por convicção ou mercenarismo – temos capacidade para mudar. Portugal não é a tribo berbere da especulação financeira, a casa da corrupção imbatível, o monstro da insensibilidade social, o alvo da derrota anunciada por determinação divina. Nem todos são incapazes, nem todos são maus, nem todos são loucos.
Os problemas ultrapassam-se pela reflexão, pela discussão das ideias, pela procura das soluções e pela determinação em as aplicar. Nada nos adiantará engrossar o coro de lamúrias de que a Internet é hoje a corrente mais perversa, com milhares de anónimos opinantes, ávidos de tornar famoso um nome que não se recordará, a cuspirem a cada segundo insultos, ameaças e frases sem nexo. É preciso ignorá-los, não entrando nesse jogo, antes desenvolvendo a cidadania, trabalhando, exigindo, escolhendo – e ganhando o futuro. l
Observador, crónica da edição da “Sábado” de 7 Janeiro 2010