No final do ano da graça de 1985, o meu saudoso amigo João Tito de Morais, então administrador da RTP, fez-me o convite: “Precisamos que você vá para director do Telejornal, aquilo está num caos”. Confesso que não me apetecia nada. Tinha entrado duas vezes num estúdio de televisão e escapara, não havia muito, às guerras partidárias na RDP. Mas a aventura do Off-Side chegara ao fim, o partido pedia o meu contributo e era preciso… avançar.
Por outro lado, sabia o que significava a palavra caos: era o PSD que controlava a informação na RTP e não o PS. Felizmente para mim, vivíamos ainda num período de forte influência das bases e os boys socialistas conseguiram impor à administração um nome da casa, um diletante com quem já me cruzara no Portugal Hoje e que viria a fracassar rotundamente. Antes ele que eu.
Volto a referir este episódio a propósito do estúpido regresso da asfixia democrática e do caso Mário Crespo. Já o escrevi no meu blog: estou com o jornalista e sei que Francisco Balsemão não permitirá ao Governo qualquer espécie de vendetta. Mas não retiro, da conversa de restaurante que detonou mais esta oportuna bomba-contra-o-mesmo, outra conclusão que não seja: Sócrates não gosta de críticas. Ficava-lhe bem disfarçar, é certo. Estão aí Miguel Almeida Fernandes, Carneiro Jacinto ou Carlos Ventura Martins para contar, se lhes apetecer, como era duro o seu quotidiano em Belém, com as exigências do Presidente Soares. E quem mandava então na RTP? José Eduardo Moniz, pois é. Calcule-se a crueza da batalha e de onde vem já toda esta tensão.
Eu próprio, nos tempos de A Luta, assinei alguns artigos feitos à medida do que me sugeria aquele que é hoje um dos grandes arautos da esquerda utópica em Portugal – e não me envergonho disso. Era o jogo político: uns de uma parte, outros da parte oposta. Deixar os adversários sozinhos no terreno é um erro fatal no combate democrático. E a imprensa formadora de opinião será sempre – deixemo-nos de histórias – uma arma utilizada nesse confronto.
Estou, por isso, do lado do primeiro-ministro no exercício do seu direito à azia, do seu protesto contra o que considera excessivo, da sua tentativa de contrariar as vozes que o detestam – desde que, evidentemente, para o conseguir não use os tentáculos de que o Executivo dispõe na economia e no sistema financeiro. O problema de Sócrates é que ele não não tem consigo quem entenda os media e os seus agentes, quem saiba quem é quem e até onde se pode ir com cada um, quem adopte, enfim, um comportamento sereno e inteligente.
Também era capaz de não valer de muito. Num partido de gajos porreiros, pá, e de tanta gente destrambelhada à solta, não há estratégia que resista.
Obsevador, crónica publicada na edição da “Sábado” de 11 Fevereiro 2010