O diretor-adjunto de “Record”, António Magalhães, fez em 1984, tinha então 20 anos (!), uma entrevista ao presidente do FC Porto, Pinto da Costa, publicada na edição de 27 de Março do então bissemarário “Off-Side”. Vinte seis anos depois, aqui reproduzo esse trabalho de um muito jovem – e já brilhante – jornalista com um presidente igualmente jovem mas determinado, embora ainda longe de poder sonhar com o nível a que iria elevar o seu clube. A conversa deu-se no avião de regresso de Donnetz (URSS), onde o FC Porto acabara de empatar (1-1) com o Shaktior e garantir a presença nas meias-finais da Taça dos Vencedores de Taças. Era o início da glória europeia portista…
JORGE NUNO: DEPOIMENTO A BORDO
Jorge Nuno Pinto da Costa estava estafado. Também não era para menos. Depois de um desafio de dar cabo dos nervos, passando pela euforia da vitória em que dominam os abraços, beijos e pancadas nas costas, até a uma viagem desgastante, Pinto da costa era a imagem de um homem muito feliz mas também cansado e… cheio de sono. (…) Pela primeira vez, o FC Porto logrou obter o passaporte para as meias-finais de uma taça europeia. E a vida de um presidente não é um mar de rosas. Pinto da Costa deu-nos conta disso mesmo. A falta de apoio camarário, a macrocefalia da FPF e a situação económica do FC Porto, foram alguns dos temas que Pinto da Costa focou. Tais dissabores não obstaram, porém, a que o dirigente nortenho apresentasse a sua recandidatura porque, segundo ele, «os sócios estão satisfeitos com a minha política». Um presidente que se assume como defensor dos interesses do norte do País mas que não se autodefine como líder.
Entrevista de António Magalhães
OFF-SIDE – Pela primeira vez na sua história o FC Porto conseguiu o apuramento para as meias-finais de uma prova europeia. Que significado tem para si esta proeza?
Pinto da Costa – Para mim, que no meu programa de acção de há dois anos punha o futebol em primeiro lugar, sem descuidar tudo o resto, e em que assumi directamente o comando da secção, significa a satisfação de ver, na prática, concretizados os meus desejos. Pela primeira vez, conseguimos o apuramento para as meias-finais de uma taça europeia e estar, nesta mesma ocasião, nas meias-finais da Taça de Portugal e na corrida para o título. Somos, portanto, a única equipa portuguesa que se mantém nas três frentes de luta, pelo que tenho que considerar de que esta presença europeia significa a vitória da minha política. Política essa que desde a minha eleição, passando pela minha recandidatura, que não desejava, tenho continuado a defender. Aliás, o exemplo inequívoco dado pela massa associativa em Alvalade, com a sua presença vibrante, bem como a deslocação de centenas de pessoas a Donetz, são a prova de que os sócios do FC Porto estão satisfeitos com os resultados obtidos.
OFF-SIDE – E em termos nacionais, será que esta vitória tem idêntico significado?
Pinto da Costa – Eu penso que esta vitória deveria ter igualmente um significado que todos os triunfos têm para os desportistas portugueses. Infelizmente, não poderei considerar que assim tenha sido, pois se nem vale a pena comentar a atitude do Sporting, ao não antecipar o nosso encontro de Alvalade, será, no entanto, de meditarmos seriamente na ausência da Federação Portuguesa de Futebol em toda esta nossa deslocação a Donetz. Partimos para ela de Alvalade, onde ninguém apareceu a desejar felicidades. Embarcámos em Pedras Rubras, onde ninguém apareceu ou se fez representar, e estivemos três dias em Donetz onde, entre os muitos telegramas que recebemos, não apareceu nenhum da Federação. É lamentável, mas se calhar até será preferível que assim seja, pois acima de tudo deve estar a sinceridade.
OFF-SIDE – E a que se deve tal facto?
Pinto da Costa – Penso que, fundamentalmente, se deve ao facto da Federação ser um organismo essencialmente centralizado em Lisboa, dirigido por homens que defendem a macrocefalia desportiva e que, como tal, são ao menos crentes de vez em quando. Quero, no entanto, realçar e até por contraste, o secretário de Estado da Juventude e Desportos que marcou a sua presença através de um telegrama, em que exortava os jogadores à vitória e salientava a importância dessa mesma vitória para o desporto português.
OFF-SIDE – Parece que o FC Porto tem uma simpatia especial pelo dr. Miranda Calha…
Pinto da Costa – O FC Porto não tem que gostar ou deixar de gostar deste secretário de Estado. Unicamente temos recebido dele promessas de colaboração para pedidos justos e, como até hoje, ainda não falhou em nada, continuamos a acreditar que as suas palavras não são como as de muitos, que só têm por objectivo entreter, mas são sim realistas e verdadeiras.
OFF-SIDE – Acredita então que, para a próxima época, já não haverá campos pelados na I Divisão?
Pinto da Costa – Refiro-me somente àquilo que diz respeito ao FC Porto porque, em termos genéricos, não queria de forma alguma estar a comentar a acção do secretário de Estado, pois aí já poderia ser considerada uma atitude política, o que, como é sabido, foi ponto de honra no programa da minha gerência que terminou e que continuará a ser naquela que em breve se irá iniciar. Não sou político, nem quero vir a sê-lo. Nunca fui filiado em qualquer partido. Apenas sou um cidadão que muito ama a sua terra, o Porto, e a sua região, o Norte. Sempre lutei e lutarei contra as discriminações que em tudo e a todo o momento temos sofrido.
OFF-SIDE – Cada vez se fica mais com a ideia de que Jorge Nuno Pinto da Costa se apresenta como um líder do Norte. É assim?
Pinto da Costa – De maneira nenhuma. Não me considero, nem tenho pretensões a isso. Talvez muita gente o possa pensar e a sua pergunta faz-me supor que o admite, que infelizmente há muito pouca gente a defender os nossos interesses nortenhos. A experiência diz-nos que a maioria dos nossos responsáveis, a todos os níveis, quando são confrontados com o poder central são por ele engolidos e passam, normalmente, a ser bons rapazes a quem esporadicamente se dá umas migalhas e depois, porque cada um quer defender os seus lugares, acomodam-se a isto e o Porto e o Norte lá vão ficando para trás. Felizmente, não tenho nenhum lugar donde receba proventos e, como já disse, não tenho ambições políticas. Estou, pois, à vontade para falar e não tenho problemas em que os donos do País, desportivamente ou não, não gostem de mim. Talvez seja por isso que eu estou à vontade para denunciar muitas das situações de injustiça a que o Norte constantemente é votado. E porque muitos daqueles que o deviam fazer, infelizmente, não fazem, talvez eu, por reagir de alguma forma, me torne mais notado.
OFF-SIDE – Depois de ter sido dado como certo que deixaria a presidência do FC Porto, Pinto da Costa recandidata-se. Quais os motivos que o levaram a tomar esta posição?
Pinto da Costa – Há muito tempo que tinha mostrado o meu desejo de deixar a presidência do clube. É um lugar desgastante e, nestes dois anos, foi-o ainda mais, pois acumulei esse cargo com o futebol e, como tal, isso resultou em prejuízo na minha vida profissional. Entendia que tinha cumprido a minha missão, mas os sócios do clube não quiseram aceitar essa minha posição e apresentarem oficialmente a minha recandidatura.. Todos os subscritores da proposta fazem parte daquele grupo de sócios que acompanham o clube para toda a parte. Não olham às pessoas mas apenas desejam o que, bem ou mal, pensam ser o melhor para o clube. Deste modo não tive coragem para lhes dizer que não.
OFF-SIDE – Só por isso?
Pinto da Costa – O segundo motivo foi o facto de que se não tivesse apresentado a minha recandidatura, essa mesma posição teria que ser oficializada até ao dia 5 de Março. Ora, era precisamente nos dias 7 e 21 do mesmo mês que iríamos disputar os quartos-de-final da Taça dos Vencedores das Taças. Era também, entre esses dois jogos contra o Shaktior que iríamos defrontar o Benfica e o Sporting, encontros que eram decisivos em termos do Campeonato. Assim, e em defesa da estabilidade e tranquilidade do departamento de futebol que dirijo, em colaboração com o meu querido amigo Fernando Vasconcelos, optei pela minha recandidatura, pois poderia aparecer qualquer outra alternativa que não garantisse essa estabilidade, necessária para ultrapassar o tal Março-marçagão que nos esperava. Se creio ter feito mal em termos pessoais, sinto-me, em compensação, satisfeito por ter garantido essa tranquilidade e considero mesmo notável que, no espaço de 17 dias, tenhamos vencido o Vitória em Guimarães, o Benfica nas Antas, o Sporting em Alvalade e eliminado o Shaktior Donetz após dois desafios extremamente difíceis. Só por ter contribuído para a alegria que estas vitórias deram aos sócios do FC Porto, eu já encaro com maior satisfação o muito que, naturalmente, vou ter que passar nos próximos dois anos.
OFF-SIDE – Que objectivos, então, presidem ao seu próximo mandato?
Pinto da Costa – Naturalmente que será o complemento destes dois anos em que se procurou restituir ao clube uma dinâmica de vitória, que passasse desde os seus jogadores até à nossa massa associativa. Por isso se fez regressar Gomes, que é o actual Bota de Ouro, reforçou-se a equipa com jogadores de grande nível como Eurico, Inácio, Eduardo Luís, Vermelhinho. Portanto, em termos desse primeiro objectivo creio que os resultados foram positivos. No que respeita às obras, conseguimos, apesar da situação económica e financeira que encontrámos, recuperar o ginásio da Alexandre Herculano e pudemos pôr em funcionamento o bingo, que com a colaboração prestimosa, amiga e indispensável do nosso associado António Gomes permitiu-nos continuar a manter em acção 19 modalidades amadoras. Igualmente nos foi possível estruturar todo o sector dos serviços, bem como o pavilhão de ginástica, enquanto que no estádio foram realizadas obras de beneficiação e restauração no valor de milhares de contos. Para o futuro, estamos esperançados que, muito brevemente, possamos iniciar as obras da piscina olímpica de 50 metros, que se tornará assim a primeira do norte do País. De qualquer modo, mais obras estão nos nossos projectos mas, por enquanto, prefiro não falar delas. Quando estivermos mais próximos do seu início, então divulgaremos essas novidades.
OFF-SIDE – No entanto, uma das maiores necessidades dos atletas do norte do País, e que frequentemente reivindicam, é uma pista de tartan. Será que ela faz parte dos projectos do FC Porto?
Pinto da Costa – Não poderei negar que uma pista de tartan seria uma obra que gostaria de ver edificada. De qualquer forma, ela não está nas prioridades imediatas do FC Porto.
OFF-SIDE – O FC Porto pretende levar a cabo alguns empreendimentos. Só que o dinheiro que provém do bingo certamente que não chega para tudo. Dispõe o clube de outros apoios?
Pinto da Costa – Temos a promessa da Secretaria de Estado dos Desportos e igualmente do Ministério das Obras Públicas através da voz, não só do sr. ministro Rosado Correia mas também do secretário de Estado, Eugénio Nobre. Quanto à Câmara Municipal do Porto, temos tido muitas reuniões de trabalho e muitas promessas. Dizem que têm feito vários estudos, mas de positivo… zero! Esperamos que a situação se altere, visto que chega a ser ridículo um clube com a dimensão do FC Porto e com a projecção que atingiu mesmo a nível internacional, tenha sido sempre, e continue a ser, pura e simplesmente ignorado pelos responsáveis da nossa Câmara. Felizmente, ainda há muitos casos pelo País fora em que as câmaras ajudam, umas mais, outras menos, os seus clubes. Seja como for, auxiliam de alguma forma as colectividades desportivas. A nossa Câmara actual, repito, tem sido igual às outras anteriores. Será bom que isto venha a melhorar e será tempo de que os portuenses vejam se conseguem pôr na Câmara Municipal alguém que os respeite, ajude e colabore com o FC Porto, que, além de ter o nome da cidade, tem sido, acima de tudo, o seu primeiro embaixador.
OFF-SIDE – Amaral, Lima Pereira, Teixeirinha, Jaime Pacheco, Rodolfo Costa, Vermelhinho e Bobó são alguns dos jogadores que terminam os seus contratos com o FC Porto em Julho deste ano. Será que todos eles continuarão de azul-e-branco?
Pinto da Costa – A única coisa que lhe posso dizer a esse respeito é que estamos a tratar disso com normalidade.
A foto não é de 1984, mas de 1991, e mostra um Pinto da Costa não só mais novo, como também leitor de “Record”. Um hábito que espero não tenha perdido…