No início de 1995, o então director de programas da RTP, Adriano Cerqueira, aconselhado por uma amiga comum, desafiou-me para o meu trabalho mais bem remunerado de sempre: o da autoria de A minha vida dava um filme, a transmitir no primeiro canal. O programa baseava-se em casos supostamente reais e supostamente contados pelos próprios intervenientes, e comentados depois por um médico ou por uma psicóloga. Fiquei ainda com a produção, e tive, por isso, de arranjar autores para metade das histórias – não as conseguia escrever todas –, de fazer castings para a escolha dos intérpretes, de contratar figurantes para a assistência, enfim, de me envolver no que entendia e, em simultâneo, naquilo de que nada percebia.
Foi uma experiência fantástica para um eterno aprendiz que tinha passado da rádio para os jornais e destes para as revistas, já que aos 26 programas contratados de início se seguiu novo compromisso para outros 26. Adriano Cerqueira, o excelente jornalista de que estive quase a ser sucessor, 10 anos antes, na direcção da TV Guia – o que não se concretizou porque o conselho de administração da RTP, que me havia nomeado, se demitira entretanto –, fez-me apenas uma exigência para avançarmos com o projecto de A minha vida dava um filme: que a apresentadora fosse Isabel Wolmar. O Adriano apoiava sem reservas o grupo dos trabalhadores mais antigos da RTP, muitos deles pioneiros da televisão em Portugal ou, no mínimo, marcados pela geração de grandes profissionais que deu os primeiros passos numa forma de comunicação que ajudou a transformar e a modernizar o País, e esquecidos pelas novas gerações de produtores arrivistas.
Pude assim conhecer uma mulher diferente, carregada de histórias também no seu percurso, como a entrevista que a SÁBADO publica nesta edição amplamente demonstra. Descontada a simpatia pessoal, que era mútua, não foi fácil a relação de trabalho que mantivemos, um pouco porque Isabel Wolmar sentia dificuldades no fingimento, na representação a que o guião a obrigava – ela era bem melhor a fazer de si própria – e muito porque a inexperiência dos autores e do produtor não encontraram algumas soluções para as quais só estávamos preparados, em boa verdade, quando o programa acabou. A minha filha Teresa, assistente de produção, foi então o porto de abrigo do desespero da Isabel e das minhas frustrações, e merece referência por ter sido capaz de recorrer à maior das nossas qualidades: a de sofrer e resistir.
Lamento não respeitar o tema da semana mas perdi os meus companheiros de canasta e zanguei-me com as cartas. E não quis perder a oportunidade de recordar esta mulher especial cuja vida dava um filme. Um beijo, Isabel.
Observador, crónica publicada na edição impressa da Sábado de 30 junho 2011