Em criança, não tinha especial
interesse por animais. Um dos meus tios domesticara um pintassilgo, que lhe saltava de um ombro para o outro e
recolhia sozinho à gaiola, e isso mexia comigo. Afinal, alguém me havia
explicado, creio que por causa dos leões e dos elefantes dos circos, que só se
conseguia ensinar os pobrezinhos se se tivesse a chave da despensa. Ou seja,
passam fome até fazerem o que se lhes manda e deixarem pôr o pé no pescoço. Não
gostava disso, e ainda hoje não gosto, talvez por tentativas goradas de me
domarem se terem acumulado no currículo.
Com o
tempo, foi-se a compaixão e chegou a era da grande
confraternização. E aos 20 e poucos anos geri mesmo uma espécie de jardim
zoológico. Começou por um aquário enorme, carregado de peixinhos que se
devoravam uns aos outros. Atrás deles vieram os hamsters, cujo cheiro se tornou
insuportável, o que abriu alas à passarada. De periquitos a canários, com
criação e tudo, passando por bicos-de-lacre e catatuas, fui somando gaiolas que
se transformavam num inferno na hora da limpeza – e que interminável hora
essa… Seguiram-se os pintos, os patos e mais tarde os cães, que atacavam as
galinhas, e os coelhos, maníacos da comida e da reprodução. E tudo acabou nos
pombos, primeiro os de leque, belíssimos, depois os cambalhota, espectaculares,
e a terminar os correios, misteriosos. Ao fechar o pombal, quebrei a ligação
aos animais, ou melhor dito, dediquei-me só a um.
Entretanto,
prossegui o processo de mudança e hoje vivo a fase insensível. Continuo a gostar de bichinhos, até porque
pretendo que a minha filha mais nova cresça no respeito pela Natureza, mas não
aceito proximidade outra vez. Sofri alguns desgostos e isso bastou-me. E maior
distância ainda quero manter com os fundamentalistas que cozem lagostas vivas,
escolhidas diretamente dos tanques para as panelas, nos restaurantes de luxo, e
entram em histeria nas ridículas campanhas de suposta defesa dos animais.
Surpreende-me
que não haja, antes, movimentos de proteção das pessoas contra o drama que as
atinge: dos jovens sem futuro aos idosos enganados e roubados, dos
desempregados sem esperança às crianças com fome, dos insolventes que perdem a
casa aos que viram destruídos todos os seus sonhos.
Os
animaizinhos que inundam o Facebook, em fotos enternecedoras e bonitas
mensagens de donos embevecidos, não têm culpa das misérias humanas. Mas
pertencem a esse pequeno mundo que coloca num limbo a gravidade e a dimensão
dos problemas. Os pratos vazios dos desesperados que já nada aguardam da vida é
que são a realidade. E ela dói.
Observador, crónica publicada na edição impressa da Sábado de 27 março 2013. Tema de Sociedade da semana: o “amor” aos animais