Alexandre Pais

Crónicas da Sábado: um saloio contra a crise ou a cabeça é que as paga

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Os meus amigos, mesmo os que dispõem
de desafogo financeiro, deitam contas à vida e preparam a austeridade
familiar. Mais
por um fenómeno de imitação do que propriamente por estar convencido que o
futuro que nos espera é a miséria – o contrário do que os arautos da Europa nos
prometeram – sou, assim, levado a rever a
natureza dos meus gastos e adaptar-me aos ditames da Merkel e dos seus
amigalhaços donos do Mundo.

Vou começar pelas lavagens. Acabaram-se as meias máquinas de louça e de roupa,
uma moda criada pela inteligência das ditas, que medem pesos e volumetrias para
nos convencerem a carregar no botão, mas não poupam, em água, detergentes e
energia, aquela metade com que nos seduzem. Agora, é encher tudo até a porta
fechar e só depois activar a coisa.

Combater as luzes acesas inúteis, os televisores ligados pela casa fora e as
simples lampadazinhas parasitas nos electrodomésticos parados será outra das
prioridades. E também os duches prolongados, com a torneira criminosamente
aberta e o termo-acumulador forçado a aquecer mais 50 ou 60 litros de água do
que o necessário, serão mordomias do passado.

A minha razoável coleção de roupa e sapatos vai constituir um trunfo nos tempos
que correm, pois irá resistir aos anos da crise – em especial se não forem
tantos como Passos Coelho julga – e evitar que todos os meses eu adquira uma
nova peça e abata outra. E na TV por cabo vou reduzir a extensa lista de canais
e limitar-me aos que me são absolutamente indispensáveis.

Quanto às férias e às viagens, as mudanças serão drásticas. Não voltarei a
Bora-Bora ou Bali, não regressarei tão cedo a Nova Iorque ou ao Rio, e finam-se as tournées
europeias, os hotéis de cinco estrelas, as simples incursões por Espanha e as
idas frequentes ao Norte e ao Sul. Nos restaurantes, o corte não será menos
radical, o que significa que especialistas como o chef Cordeiro vão ter que se governar com urricos de facto ricos, pois presumo que a burguesia depenada
passe, a breve trecho, a clientela frequente do McDonald’s.

A senhora que nos dá uma ajuda lá em casa tornar-se-á colaboradora em part-time, entrando às 15 e saindo às 19
horas. Espera, 15/19 não é o que ela já faz? Não, há aqui qualquer coisa, isto
seria uma crónica para… 2011. Na realidade, não vou mais em meias-máquinas,
as luzes deixaram de ficar acesas, tomo banho em cinco minutos, compro uns
sapatos por ano, não tenho canais Telecine, não aprecio restaurantes de luxo e
nunca fui a Bora-Bora. Sou, afinal, um saloio preparado para tudo o que a
maquiavélica imaginação de Vítor Gaspar seja
capaz de inventar. A cabecinha é que as paga, como se vê.

Observador, crónica publicada na edição impressa da Sábado de 18 outubro 2012

Por Alexandre Pais
Alexandre Pais

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