Nota: O tema da semana proposto ao colunista tinha a ver com alfândegas. Como já dei para esse peditório, alterei o rumo da conversa…
Se me pusesse a escrever sobre alfândegas seria para desancar uma vez mais os pobres agentes que, tendo por missão fiscalizar as nossas malas, aproveitam esse pequeno poder para recriar o estado policial falecido há 36 anos. Não vale a pena. Eles que fiquem lá com o seu olhar inquisitorial, varrendo até os passageiros nacionais que chegam de Madrid ou de Paris, como se não houvesse fronteiras abertas no espaço Schengen, e que tenham muita saúde.
Prefiro fazer perder tempo aos leitores salientando o quase inacreditável exemplo de pragmatismo oferecido ao país pela Autoeuropa, uma unidade industrial que estaria hoje seguramente encerrada não fora o bom senso e o sentido de responsabilidade dos seus trabalhadores e, vamos lá, a qualidade negocial de uma administração que entendeu a delicadeza da situação e resistiu à tradicional entrada a matar que alguns patrões tanto apreciam.
Com avanços e recuos nos últimos anos, cedendo na flexibilidade ou no banco de horas e ganhando com isso novos investimentos, a Comissão de Trabalhadores da fábrica da VW de Palmela – composta por elementos eleitos que fogem ao controlo partidário e cujos acordos com o patronato os plenários têm ratificado por largas maiorias – consegue que os seus 3.600 representados enfrentem a crise que afecta a generalidade dos portugueses em contraciclo ou, se preferirmos, em ciclo alemão: além de novos benefícios sociais, não haverá despedimentos colectivos nos próximos dois anos, os salários subirão 3,9%, o subsídio de transporte beneficiará de uma actualização de 5%, as férias aumentarão para 24 ou 25 dias úteis e, já em Dezembro, será pago um prémio de produtividade de 400/500 euros. Parece milagre mas não é.
António Chora e os seus companheiros da CT da Autoeuropa só lograram este resultado – após negociações duras e frontais, em que não transigiram no essencial – porque não foram comandados de fora e puderam, por isso, concentrar-se unicamente nos seus interesses, sabendo que eles dependeriam sempre da manutenção da fábrica e nunca do seu encerramento.
É pena que não exista este realismo no movimento sindical em Portugal. A próxima greve geral é o mais angustiante sintoma de um radicalismo assente no protesto, na utopia e na recusa do compromisso. E se metade do país paralisar a 24 de Novembro, o que ganharemos com isso? Maior desgraça para a economia, uma vez que não é crível que surjam subitamente do subsolo petróleo, ouro ou diamantes, ou que os senhores do dinheiro, cheios de medo, nos façam a esmola de uns milhares de milhões de euros para satisfazer reivindicações.
Serão apenas berros contra a dura realidade: falimos.
Observador, crónica publicada na edição impressa da Sábado de 28 outubro 2010