O Borda d’Água foi a minha primeira revista,
há recordações que só mesmo a SÁBADO me traria à
memória… Teria para aí 8 anos quando, nos
idos de 50, o meu avô Miguel, pequeno agricultor beirão, me dava lições sobre
sementeiras, depois de desfolhar a pequena publicação, impressa com qualidade
rudimentar, a uma única cor, que ele adquiria por encomenda, religiosamente, ano
após ano. A frequência com que o Borda
d’Água acertava nos dias de chuva impressionava-me e a cega confiança
do meu avô no que lá vinha escrito fez-me fã do título até aos nossos dias,
apesar do actual sistema de venda, por vezes em mãos de emigrantes de Leste, não
ter já a sedução que a semi-clandestinidade de outrora lhe
conferia.
Por essa altura, a Flama, O Século Ilustrado, as Selecções do Reader’s Digest e colecções
como Cinema ou Ídolos do Desporto eram também lidos pela
família e muitos exemplares tenho-os preservado, década após década, em luta
permanente contra as traças e a humidade que reinam nas profundezas das
arrecadações domésticas. Mas estou consciente de que esse investimento de
resistência é inglório e sei que um dia as minhas filhas se desenvencilharão de
um espólio que pouco lhes diz. É a vida.
Lamentavelmente, perdi o rasto a
inúmeras edições de Lusitas, da
Mocidade Portuguesa Feminina, que defendiam os interesses de Deus, da Pátria e
da Família, e que seriam agora manuseadas com a estupefacção própria de uma
sociedade que deitou fora, com a escuridão, igualmente os valores e as
referências. Mas encadernei e guardei os primeiros anos do Cavaleiro Andante, revista infanto-juvenil
que sucedera aos famosos O
Mosquito, O Senhor
Doutor e O Papagaio, e
que me trouxe, no tempo em que nada acontecia, a evasão proporcionada por
aventuras como as de Tintin ou
de Blake & Mortimer.
Curiosamente, na década 60, conheci, na Emissora Nacional, o director do
Cavaleiro, Adolfo Simões Muller,
uma pessoa mais velha do que esperava, austera e distante, e cujo perfil não
correspondia ao que havia imaginado, o que retirou boa parte da magia às páginas
que milhares de vezes desfolhei.
Não sei porquê, de outros ícones da
época, como a Plateia ou o
Mundo de Aventuras – e eu que
adorava Mandrake! – pouco reza a
minha história, embora o primeiro, como a seguir a revista Rádio & Televisão e os Cahiers du Cinéma viessem a tornar-se
leituras obrigatórias, mal despontou em mim o gosto pela representação e a
paixão pelo espectáculo. A partir dos 20 anos, nomeadamente quando me tornei
jornalista e descobri os segredos das publicações, desci à Terra. A ilusão e os
sonhos foram-se, a lenda ficou em Marte.
Observador, crónica publicada na edição impressa da Sábado de 31 maio 2012. Tema de Sociedade da semana: revistas…