Tinha um primo
que desconfiava dos homens que pintavam o cabelo. Então dos que usavam
capachinho nem queria ouvir falar. Aliás, ele não
entendia, sequer, os que sofrem com o desbaste capilar natural e se metem a
tentar disfarçar os danos, com penteados ridículos. Dizia-me ele que quem encara
a calvície com desespero ou quem não admite, simplesmente, o facto de o cabelo
embranquecer, é porque pode ter, mais do que inofensivos complexos – inofensivos
para outros, claro – sérios desvios de personalidade. Não precisei dessa escola para aceitar ser careca, antes até
de chegar o tempo, e não me reconheceria se, onde hoje reluz uma espécie de bola
de bilhar, surgisse, por milagre, uma vigorosa trunfa. Que
horror.
Tony Carreira não gosta de
entrevistas. Ou gosta pouco. Mas como é uma pessoa educada, nunca desaponta
jornais e revistas, vai dizendo que sim, só que o momento jamais acontece. Com
isso, consegue manter as distâncias, nomeadamente em relação a um público que
não é o seu, adensa a expectativa em redor de si e foge ainda ao que na
realidade teme: as perguntas difíceis.
Vi há meses uma suposta entrevista
de Carreira a gente amiga, num canal de televisão. As questões não eram mais do que deixas para
o cantor ficar bem na fotografia, dando respostas bonitas, elegantes, que lhe
ficavam a matar e o engrandeciam. Respostas inteligentes, é justo que se diga, e
que revelavam uma cabeça evoluída e bem formada. O que aconteceria se à frente
tivesse mesmo jornalistas – e daqueles que não têm medo das perguntas? O que
responderia se a inquirição resvalasse, e resvalaria, para fortuna e
investimentos, assédios e mulheres, política e partidos, cabelos e
penteados?
Não acredito que Tony Carreira tenha
alguma coisa a esconder e não possa replicar seja ao que for. Mas iria fazê-lo
para quê? A que título exporia aquela parte da vida que tem conseguido reservar?
Apenas para servir de troféu a quem lograsse confrontá-lo? Em que é que a sua
carreira – fulgurante e de sucesso indiscutível – beneficiaria se a divindade que existe em si, com a aura de
mistério que fabrica os mitos, descesse ao nível do cidadão
comum?
Eu não quereria entrevistá-lo, a não
ser que falássemos de futebol, o que também não lhe daria muito jeito porque ser
“vagamente simpatizante do Sporting” – como reconheceu a um jornal da diáspora –
é o limite para vender cantigas a toda a gente. E a mim não me interessa o que
faz ao dinheiro, se recebe propostas indecentes, em que partido vota ou que
champô utiliza. Só preciso de Tony para me divertir com a sua música, que me permite ignorar agruras
e vaguear por aí. Vulgar e careca mas feliz, essa é que é
essa.
Observador, crónica publicada na edição impressa da “Sábado” de 14 junho 2012