Alexandre Pais

Crónicas da Sábado: o sábio, o burro e os outros

C

1. Há duas décadas nascia a SIC, Emídio Rangel tomara
conta da ocorrência a tempo de ultrapassar, com extraordinário êxito, o erro de casting que constituíra a primeira
escolha, uma escolha exclusivamente baseada no mediatismo. Em Portugal, houve
sempre a mania de considerar que quem aparece na televisão é que é, como se a
gestão de recursos humanos, técnicos e financeiros, para mais, de um projecto
de uma vida, pudesse ser entregue a quem diz umas coisas no pequeno ecrã e é
por isso alvo de curiosidade e admiração. Francisco Balsemão, o grande
visionário, teve mais esse mérito: o de demitir, voltar a escolher e acertar
dessa vez em cheio. A SIC não seria o que é sem Rangel ao leme na hora da
partida para o mar desconhecido e ameaçador.

2. Nessa altura, ainda sem ter assimilado a lição dos
falhanços da Élan e da Tomorrow, desperdiçava eu de novo os
meus dias a fazer de editor, com escassos recursos financeiros e alguns amigos
voluntariosos. Na Primavera de 1992, lançámos o primeiro título mensal dirigido
às adolescentes, a Teenager, que
chegaria aos 30 mil exemplares e se publicaria durante cinco anos. A Bravo conhecia então o sucesso, mas a
sua especialidade era a música. Em Outubro seguinte, editámos a Dona, também pioneira no mercado português
– no caso das publicações semanais cor-de-rosa, já que a Nova Gente se assumia como uma revista generalista e de sociedade.
Atingimos rapidamente os 40 mil exemplares e aguentámo-nos mais dois ou três
anos, com vendas menores, até sermos atropelados por um comboio de alta
velocidade: a Caras. Moral da
história: de pequenos visionários – corajosos, convencidos, impreparados ou
burros – estão os cemitérios cheios.

3. O passado é o passado e hoje só de uma não
insignificante coisa me orgulho: aprendi. Dois anos à frente do 24 Horas e do Tal & Qual – desaparecidos mais tarde por acumulação de erros
de administração a que por sorte escapei – e uma década no Record permitiram-me respeitar boas práticas que não segui nos idos
de 90 e ter presente os erros cometidos para cair apenas noutros. Uma
experiência que falta, claramente, a muita gente que está no poder 20 anos
depois de nascer a SIC e que faz do país cobaia do achódromo que traz na cabeça. Um primeiro-ministro que se deixa
derrotar pela rua, uma ministra que se substitui ao Ministério Público e diz
que “acabou a impunidade”, um assessor do Executivo que considera os
empresários “completamente ignorantes”, um chefe de segurança que trata por tu
e agride um cameraman – e não é
sancionado – são prova, numa única semana, de que a ausência de aprendizagem e
de bom senso são pedras com as quais nos afundaremos.

Observador, crónica publicada na edição impressa da Sábado de 4 outubro 2012

Por Alexandre Pais
Alexandre Pais

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