Agora que Lance Armstrong assumiu a
responsabilidade por aquela que é, provavelmente, a mais gigantesca
fraude do desporto mundial, e que provocou, isso com toda a certeza, uma
deceção que deixou milhões de adeptos do ciclismo em estado de choque, recordo
um episódio que não passa hoje de uma história para crianças. Havia, anos
atrás, na Volta a Portugal, um corredor, português e hipocondríaco, que se
queixava de dores disto e daquilo ao longo das etapas, e que só se calava após
lhe darem uma aspirina. Então, os
responsáveis da sua equipa, para evitar os efeitos negativos do ácido
acetilsalicílico – na altura, não se usava ainda o medicamento para dificultar
a coagulação do sangue – arranjaram uns comprimidos de farinha, totalmente
inócuos, que davam ao paciente mal
ele pedia. E a verdade é que o homem, engolida a pastilha que funcionava como doping, desatava a pedalar, a pedalar, e
conseguia ser, mesmo, um dos melhores do pelotão.
Nunca sofri dessa
paranóia, pelo que só recorro a
drogas em caso de absoluta necessidade e com prescrição clínica, embora só
confie em alguns médicos e torça quase sempre o nariz quando não sei a
qualidade do artista que me manda
para a farmácia. Não há muitos anos que uma das minhas filhas apanhou uma
pneumonia por causa de um aventureiro, que chamámos a casa duas vezes e
que insistiu em receitar-lhe remédios para uma vulgar constipação.
Até de supostos
especialistas devemos duvidar, pois aí o caso pode revestir-se ainda de maior
gravidade. Uma amiga, que sofria de uma banal irritação cutânea nas costas,
consultou um dermatologista que lhe impingiu duas pomadas. Uma semana depois, com a duplicação da área afetada e o
aumento da intensidade da comichão, resolveu ir a outro médico. E ouviu-o,
estupefacta, dizer-lhe mais ou menos isto: “Quem é que lhe receitou essas
porcarias? É que elas estão a funcionar como uma espécie de adubo que alimenta
os bichinhos e agrava o problema em
vez de o resolver…”
Longe vai o tempo
em que se confiava nos médicos, como nos juízes – nos jornalistas nem é bom
falar – que eram normalmente pessoas experientes e ponderadas, consistentes e
profissionais. Hoje, vivemos uma época em que recomenda a prudência que se
espere tudo, pois tanto nos pode aparecer um
craque como calhar-nos um incompetente que nos arrastará para o desastre.
Depois, claro, há
que contar com os interesses dos laboratórios, essas multinacionais que dominam
a área. Como me perguntava um médico amigo: “Já reparaste que se curam as
doenças mais graves e não se conhece sequer o que provoca as simples aftas?”
Perguntava e sabia a resposta.
Observador, crónica publicada na edição impressa da Sábado de 24 janeiro 2013. Tema de Sociedade da semana: medicamentos…