Alexandre Pais

Crónicas da Sábado: o problema do sabonete

C

Sinto-me realizado no que é fundamental na vida, mas ao mesmo tempo frustrado em aspectos menores que por vezes me envergonham. Um deles é o insucesso sistemático da minha frequência de ginásios.

Há meia dúzia de anos, convencido por amigos, inscrevi-me num dos melhores health clubs de Lisboa. Não digo quanto paguei pela jóia e por 12 mensalidades adiantadas porque os tempos não estão para ostentações que façam com que o Governo se superexcite e crie uma taxa de IRS superior aos 46,5% que vai impor ao meu agregado familiar a partir de Janeiro próximo. O que digo é que nunca cheguei a pôr os pés nesse ginásio, apesar de os seus responsáveis – entusiasmados com a ausência de despesa que a minha sistemática não comparência representa – continuarem, ano após ano, a tentar que eu volte a cair na tentação de preencher a ficha e passar o cheque.

Deixei de jogar futebol há uma década, ainda fui fazendo corrida durante algum tempo, mas estou praticamente reduzido a umas caminhadas forçadas, umas subidas voluntárias, a pé, das escadas de cinco andares até à redacção de Record, ou a sentar-me e levantar-me uma centena de vezes ao longo do dia. A médica já me avisou, tenho de beber mais água e de fazer exercício, mas se abrir uma garrafa é fácil, pôr o corpinho a sofrer é uma descarga de energia que depois me faz falta para tratar dos assuntos prioritários.

Numa das muitas tentativas que fiz para puxar pelo físico, passei por outro ginásio, do centro da capital, que frequentei mais ou menos a sério e que constituiu um acumular de irritações. A primeira foram as aulas de aeróbica, em que me punham a fazer exercícios que obrigavam a contacto físico com outros infelizes – um costas com costas, um agarrar de braço, um pezinho no ombro, não sei se estão a ver a filosofia da coisa. A seguir eram as máquinas de musculação, com as melhores sempre ocupadas por profissionais e as outras de utilização quase impossível por quem ganhou flacidez e perdeu massa muscular. E também, claro, as conversas de chacha, que nem cheguei a saber se eram tentativas de engate ou não, pois mal ouvia uma voz por perto lá me afastava eu, numa acção típica do ala, que se faz tarde.

Bem, mas há ainda um problema que me incomoda, e que vem dos tempos de adolescente e da prática do voleibol. É que nunca gostei de me despir em frente de pessoas do mesmo género, de fingir que não olhava para o que não devia, de me sujeitar a avaliações não desejadas. E como não me habituo ao gel de duche, sinto-me particularmente inibido naquelas alturas – e elas acontecem – em que preciso de me baixar para apanhar o sabonete.

Observador, crónica publicada na edição impressa da Sábado de 18 novembro 2010. O tema de Sociedade da semana é “A vida sexual nos ginásios”

Por Alexandre Pais
Alexandre Pais

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