Alexandre Pais

Crónicas da Sábado: o negócio da morte

C

Quando era pré-adolescente, a
Agência Magno dava cartas, com publicidade na imprensa e uma garagem ampla
e soturna a meio da Calçada Marquês
de Abrantes, em Lisboa, onde eu passava todos os dias para ir almoçar com os
meus pais, que trabalhavam num escritório, 50 metros mais abaixo.
Impressionavam-me as carrinhas funerárias de enormes dimensões, geometricamente
alinhadas e artilhadas com o espalhafato dos rococós dourados, e a quantidade de homens vestidos de preto, com
fatinhos coçados e gravatas estreitas, muitos de chapéu, que entravam e saíam,
com ar sério e falsa compunção – por dever de ofício, certamente.

Recordo-me de ouvir os adultos queixarem-se do custo exorbitante dos funerais,
e de uma das minhas avós ter de parte algum dinheiro porque, quando chegasse a
sua hora, explicava, não queria “ser pesada a ninguém”. Havia até sistemas
mutualistas com a finalidade de assegurar a viagem para a última morada e aos
18 anos, ao ser admitido na Emissora Nacional, passei a descontar creio que um
dia de salário sempre que falecia um colega, de modo a garantir o enterro e
proporcionar à viúva e aos filhos uma razoável ajuda suplementar. Outros
tempos.

O desenvolvimento do estado social, com o disparo em flecha da dívida que um
dia iremos pagar estancado que esteja o défice, e a irresponsável atribuição de
2.500 euros de subsídio – curiosamente o preço mínimo de um funeral, como se
fosse uma bandeirada acima do qual o
freguês suporta o frete – está na origem do crescimento exponencial do negócio
da morte e das absurdas verbas que são exigidas às famílias para sepultarem os
entes queridos.

Há uns
meses, acompanhei as exéquias de pessoa amiga e verifiquei como funciona uma
das principais agências do país. Desde o primeiro atendimento até ao acto
final, o profissionalismo foi surpreendentemente elevado, o trabalho eficiente,
quase sem mácula, e o oportunismo absoluto – tendo em conta que os clientes
atravessam um momento em que de nada mais querem saber, necessitando, por isso,
de quem lhes resolva os problemas. E ver a factura ultrapassar os 5 mil euros,
mesmo com IVA reduzido, é tão certo como a morte.

Depois, claro, há excepções a fazer a regra. Já no crematório e pretendendo uma
cerimónia rápida, perguntei, perante um compasso de espera incompreensível, se
podíamos avançar. O mestre de cerimónias,
cheio de nove horas, perfilou-se. E qual Merlin,
o mágico, com um brilho sinistro nos olhos, sussurou: “Temos de aguardar um
pouco, o nosso forno ainda está a aquecer…” Por essas e por outras é que
morrer nunca será o melhor remédio.

Observador, crónica publicada na edição impressa da Sábado de 12 abril 2012

Por Alexandre Pais
Alexandre Pais

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