Pedro Passos Coelho é um felizardo. Torna-nos a vida cada vez mais difícil, prosseguindo a política do seu antecessor, e dá-se ao luxo de ir de férias para a Manta Rota, onde não faltarão felizes convívios e alegres banhistas. José Sócrates também gozou dessa comovente informalidade e tomava café na pastelaria da Rua Braamcamp, ao lado da sua residência, em Lisboa, até começar a ser incomodado pela clientela e se ver forçado a mandar subir a bica no elevador.
Seria bom que o primeiro-ministro pudesse continuar a desfrutar do estado de graça, sinal de que os portugueses compreendiam a dramática necessidade das duras medidas de austeridade a que estão sujeitos – e ainda a procissão vai no adro. Isso retardaria, pelo menos, a concretização da ameaça de desordem pública que paira sobre as nossas cabeças, que a França e a Grécia já sentiram na carne, que a Espanha tem conseguido – até quando? – circunscrever a Madrid, e que a Inglaterra vive agora, na região de Londres e não só.
A reportagem que a SÁBADO publica sobre os jovens e a bebida é uma abordagem simples de um problema que atravessa fronteiras, diferenças sociais e hábitos culturais. O que a generalidade dos países hoje oferece aos mais novos é um futuro sem horizontes, um quotidiano entre o ócio e a futilidade, entre a falta de objectivos e a exclusão, entre a miséria e o desespero.
Aos jovens, a crise da economia pouco diz. A sociedade que lhes venderam foi a da abastança a troco de um esforço cada vez menor, a promessa de que para viver bem bastaria existir, para enriquecer chegaria ser espertalhão. A maioria dos rufias de Tottenham ou de Hackney, explicaram os moradores, veio de longe para espalhar a confusão e dar asas à revolta. Uns, seguramente bêbados, mas outros, talvez a maior parte, lúcidos, frios e preparados para a violência.
A comunicação social tem também a sua culpa. Inventou famosos e celebridades – não, não é um fenómeno português –, propagou a ideia de que ricos são os que roubam e fez dos campeões do nada exemplos, como se se pudesse ser sem estudar e sem trabalhar. E desprezou o mérito, ao classificar como imoral o suposto luxo dos salários dos mais qualificados, das reformas já reduzidas com prejuízo de quem mais descontou, das casas normais que são apenas melhores do que outras. Com isso, fez da inveja lei e deu aos mandriões e aos marginais o leitmotiv para agredir, para destruir, para roubar e um dia para matar.
Sobreviver à hecatombe social com o primeiro-ministro a banhos no meio dos escombros não será mais possível. Os brandos costumes não passam de um muro de papel. À nossa volta, na escuridão onde fermentam os sentimentos mais explosivos, há gente sem futuro que aguarda um pretexto. E a oportunidade.
Observador, crónica publicada na edição impressa da Sábado de 11 agosto 2011. Tema de Sociedade da semana: os jovens e a bebida