O jornalista do título
deficitário pode gastar
à vontade, o do jornal
que dá lucro é controlado…
Dois jornalistas, antigos companheiros de curso, reencontraram-se há pouco, ocasionalmente, e tentaram, em breves minutos, pôr a escrita dos últimos anos em dia. Um deles, que não por acaso trabalha no mesmo grupo que eu, lamentou-se das restrições que lhe são colocadas na apresentação de despesas. E ficou banzado quando, como resposta, o ex-colega lhe deu conta das amplas liberdades que são concedidas aos colaboradores do seu jornal, um dos títulos altamente deficitários que por aí andam a contrariar as regras de mercado, subsidiados por outros negócios até ao dia do juízo.
Creio já ter aqui defendido que os directores de publicações que têm também que controlar o seu orçamento – e que são hoje quase todos – deviam entregar a carteira profissional, uma vez que deixaram de ser jornalistas a tempo inteiro e tornaram-se igualmente gestores, com as contradições que isso implica, pois nem sempre a Olívia patroa pode colocar à disposição da Olívia empregada os meios suficientes para que esta desenvolva o seu trabalho como pretende.
Mas essas contradições não incluem o controlo das despesas editoriais que, de tão óbvio, devia constituir ponto de honra para os jornalistas. A verdade é que no título falido que referi cada um apresenta as facturas que quer – e que são automaticamente validadas. No que respeita às refeições, por exemplo, são reclamados almoços e jantares com fontes por quem nunca dá uma notícia. Metem-se refeições de fecho quando se trabalha para além das 21 horas, mesmo que se tenha começado às 18. E como não existe tecto para essas despesas, cometem-se dois abusos num só.
Outra área em que o despesismo se revela brutal é o das deslocações em serviço aldrabadas. Desde pessoas que às 5 horas da tarde chamam um táxi para as levar a casa às que preenchem papéis com 50 quilómetros para ir e voltar, em viatura própria, do centro da capital a Algés, passando pelas que, funcionando à noite desde que foram admitidas, obrigam a empresa a suportar o seu retorno ao local onde residem, há de tudo naquela redacção cantada como modelo de virtudes pelo tal jornalista – que não faz a mínima ideia do que é uma empresa, nem dos riscos que corre de ficar desempregado – ao ex-colega deprimido pelas regras internas de um título que gera lucros.
Ao anunciar a mudança de direcção no Expresso, Francisco Balsemão elogiou o director que vai sair pelo labor que permitiu ao semanário encarar o futuro com uma confiança “que não terão, infelizmente, muitos mais projectos editoriais no nosso país”. Por não terem vendas e publicidade suficientes, é certo. Mas ainda por gastarem acefalamente – e haver quem deixe.
Observador, publicado na edição impressa da Sábado de 16 setembro 2010