Nunca fui muito naquela conversa dos médicos que apregoa a importância de se tomar “um bom pequeno-almoço”. Desde logo porque o que menos me apetece pela manhã é comida. E pior agora, que o cardiologista me proibiu de engordar – como se fosse preciso – e me fez dispensar os elevadores. Por isso, é um iogurte magro com meia torrada de pão integral e está feito.
Tenho a impressão de que tudo começou na minha infância, parte dela vivida em Canas de Senhorim, e graças à arte da avó Albina, uma gestora doméstica de mão de ferro, que detinha o monopólio da utilização caseira do açúcar no café com leite, com uma colher mal cheia por chávena, e da manteiga no pão, com a faca a deslizar velozmente pelo miolo aquecido.
Era já adulto quando descobri os pequenos-almoços de hotel, e maduro ao eleger o então Marinotel de Vilamoura – entretanto ultrapassado, por exemplo, pelo sofisticado M’ar de Ar, de Évora – como detentor nacional do melhor mata-bicho, uma designação horrível mas muito popular nos meus tempos de Beira Alta. E ganhei o interessantíssimo passatempo a que permaneço fiel: o de apreciar a gula dos portugueses numa refeição que, estando incluída no preço da estada, tem de ser devorada custe o que custar.
Não há hábitos alimentares, dos mais generosos aos mais frugais, que evitem o triste espectáculo que famílias inteiras proporcionam aos basbaques como eu, com o ataque aos comes e bebes – outra expressão das tabernas – à disposição no buffet. Ovos estrelados e queijos, fruta e legumes, salsichas e café, bacon e sumos, iogurtes e cereais, leite e chocolate, bolos e chá, pãezinhos e panquecas, doces e manteigas, tudo o que houver deve ser tragado e até, se não der muito nas vistas, sofregamente desviado para se recuperar no lanche parte do investimento. Ver pais e filhos, avós e netos neste assalto descontrolado, com laivos de esquizofrenia – em que os pratos sujos são levantados ainda carregados de comida, numa demonstração obscena de mais olhos que barriga – se é divertido por um lado, faz por outro lembrar os saques dos supermercados em qualquer país de Terceiro Mundo, mal uma desordem pública generalizada garanta a impunidade a milhares de esfomeados.
Os nossos hotéis bem tentam, com subtileza, limitar o horário do pequeno-almoço às 10 horas, ou mesmo 9 e meia, na tentativa de reduzir estragos e baixar despesas, mas nem que a sala fechasse às 8 evitariam que, pelas 7 e 55, a horda de piratas famintos se apresentasse para enfardar. Por mim, aguardo, intranquilo, que a emergente moda do brunch se instale. Sempre escusava de me levantar tão cedo e de encher a pança como um alarve.
Observador, crónica publicada na edição impressa da Sábado de 3 março 2011 – Tema de Sociedade da semana: o pequeno-almoço dos famosos