A motivação é simples:
aversão à água,
ódio ao sabonete
e repulsa pelo cheiro a lavado
Uma jornalista, em tempos muito badalada por motivos não relacionados com a profissão, ficou bastante irritada com a minha última crónica. Diz que não conhece um único ginásio em que as pessoas tomem banho juntas… Não escrevi nada disso, mas o desagrado da senhora, expresso nas redes sociais, calcule-se, constitui um excelente sinal para mim. Quanto menor for a aprovação dos faróis da corporação maior será a convicção do escriba de estar a seguir pela trilha adequada.
Qualquer burro entende que a expressão apanhar o sabonete tem um sentido figurado e qualquer utilizador de health club conhece a intimidade que forçosamente se partilha – no acto de despir e vestir – num balneário que não é privativo. A irritação da jornalista nada tem, assim, a ver com o texto, mas apenas com o facto de eu não ter pedido, nem a ela nem aos seus prosélitos, autorização para existir. Trata-se, então, de uma inimiga? Não, falta-lhe importância, dimensão. E, por outro lado, tenho encarado sempre essa clique como simples adversários que se atravessam, com o mesquinho propósito de serem os donos da estrada. É passar por cima e continuar. Sem medo e também sem rancor.
Sei que da fama não me livro. Há dias, outro jornalista – que me concedeu o privilégio de o acompanhar em momentos difíceis do percurso profissional de ambos – teve a gentileza de me enviar, autografado, o seu último livro, identificando-me, generosamente, como uma das pessoas que melhor soube resistir aos inimigos ao longo da vida. Poderá ter razão. Admito até que o segredo dessa resistência tenha residido numa estratégia assente na valorização do perigo potencial e dos seus efeitos – adoptando por vezes uma desproporção de meios de defesa que logrou evitar a agressão – e dando em simultâneo ao adversário a sensação contrária, recusando admitir as suas reais capacidades e criando-lhe a dúvida inibidora: será que vou ser capaz?
Mas inimigos, inimigos mesmo só os refractários ao banho diário, em especial os que, dispondo de todas as condições para meter ombros à meritória empreitada, a recusam, por clara aversão à água, ódio ao gel de duche e ao sabonete – sabonete? não conheço uma única pessoa que use ainda sabonete!, desdenhará a faroleira – e genuína repulsa pelo cheiro a lavado.
Não tenho preconceitos em relação a raças, opções políticas, religiosas ou clubísticas, não divido o mundo em ricos e pobres, bonitos e feios, cultos e ignorantes, bons e maus. Detesto, com indiferença, alienados e bandidos. Por gente porca, sim, a inimizade é profunda.
Observador, crónica publicada na edição impressa da Sábado de 2 dezembro 2010. O tema de Sociedade é o de uma “nova” moda: não tomar banho…