Alexandre Pais

Crónicas da Sábado: há 40 anos, início de vida

C

Com o
passar do tempo, ganhei um pouco a mania das esquinas da vida, ou seja, gosto
de parar para pensar sempre que decorrem anos
certos
sobre algo que dobrei mas me marcou. E esta semana peço licença para
gastar a paciência do leitor – tenho uma prática recorrente de abuso nessa
área, eu sei – para voltar atrás precisamente 40 anos e recordar aquele dia de
Fevereiro de 1972 em que passei a porta de entrada do edifício da Rua Castilho,
onde funcionava a redacção do Diário de
Lisboa
, para retomar, na imprensa escrita, um percurso que, em boa verdade,
se iniciara com a publicação de duas reportagens no Mundo Desportivo, em Agosto de 1964 – ai de mim.

Entrei no DL pela mão desse enorme
jornalista que se chamou José Neves de Sousa, de quem recebi lições que ainda
hoje me são úteis, aliás, cada vez mais preciosas à medida que se vai perdendo
a escola da notícia que distinguiu a
minha geração, substituída pelo recurso ao fait
divers
, ao requentado, ao não essencial, à replicação dos sites, ao rabo na cadeira, ao Google
milagreiro e enganador.

Ia integrar a secção de Desporto, e
lá chegaria, mas a saída de grande número de profissionais, que tinha
desfalcado o DL/Geral, atirou-me
rapidamente para a rua, de bloco e esferográfica, e mais aos papéis que outra
coisa. Era assim: tocava o telefone a dar conta de um acidente e saltavam o
motorista, o repórter-fotográfico e o da escrita rumo ao local da desgraça. Aí,
ouviam-se duas ou três testemunhas
que por vezes sabiam tanto como nós, portanto nada –, faziam-se umas suposições,
batia-se a chapa com a lata amolgada
e regressava-se para redigir pouco mais do que uma breve.

Escrevia-se à máquina, a uma velocidade louca, emendava-se ou acrescentava-se a
prosa à mão – com letra legível para que o teclista da fotocomposição a entendesse – e entregava-se ao chefe, que
praguejava mal se começara a dactilografar. A seguir era um calvário, fosse
porque não se percebia a direcção dos veículos ou não se conhecia a gravidade
dos ferimentos, ou porque o quando
vinha depois do como e este antes do onde e a seguir ao porquê – ou vice-versa. E com as vírgulas? Outro drama. Um minuto
decorrido e estava tudo no lixo, “faz esta m…. outra vez!, p…. que o gajo
escreve com os pés”. Foram quatro anos muito duros, a que sobrevivi para poder
contar.

Quatro décadas passadas, aqui presto homenagem a alguns desses monstros que, tudo exigindo, tudo davam:
Luís de Sttau Monteiro, Fernando Assis Pacheco, Fernando Dacosta, Carlos Veiga
Pereira, Manuel de Azevedo, Hernâni Santos, Armando Pereira da Silva, José
Cardoso Pires. E ainda ao patriarca, a esse príncipe que foi António
Ruella-Ramos. Obrigado, devo-lhes a vida.

Observador, crónica publicada na edição impressa da Sábado de 16 fevereiro 2012

Por Alexandre Pais
Alexandre Pais

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