Não me perguntem porquê, mas não consigo sentir a mínima simpatia por Julian Assange, o australiano que manda no WikiLeaks. Provavelmente porque, ao contrário de uma suposta maioria de companheiros de profissão, corro por fora da corporação, o que desde logo significa que não me identifico com a casta a que muitos julgam pertencer. E vejo que Assange transpira pretensão – no mínimo, a de ser considerado um dos bons, um jornalista bacteriologicamente puro. Não aprecio gente dessa.
Embora não alinhe com qualquer dos estéreis grupos de café em que a classe saloiamente se divide, pelo menos em Portugal, sou acérrimo defensor da livre circulação da informação, incluindo o reconhecimento do direito dos editores à interpretação do que é ou não é, não do interesse público, mas do interesse do público a que se pretendem dirigir. Porque se respeitássemos o conceito tout court dos deontólogos encartados, então ficaríamos presos num colete de forças do qual só sairíamos para corresponder a exigências pontuais dos poderes – político, económico, religioso ou até do próprio autor da notícia.
O problema é que vivemos num planeta perigoso e não podemos abdicar dos níveis de segurança que nos protejam dos fundamentalismos e do terrorismo. É bonito que homens sem coleira e sem mordaça defendam todas as revelações, independentemente das consequências, e fica bem a um site sueco fornecer informação, que devia ser reservada, sem crivos aos inimigos da liberdade e da democracia, àqueles que, se pudessem, depressa acabariam com os irresponsáveis arautos dessas ingenuidades.
Além do mais, estamos perante uma utopia que sacrifica vidas. Ainda no último fim-de-semana mais seis soldados da NATO morreram no Afeganistão, onde defendiam – ou, pelo menos, julgavam defender – o direito do mundo democrático a proteger os seus filhos. Como se sentirão as famílias dos imolados ao assistir, por um lado, ao seu martírio e, por outro, à divulgação de dados que favorecem objectivamente os desígnios dos seus algozes?
Esta contradição que o WikiLeaks agora trouxe à ribalta é o espelho da pobre sociedade em que nos transformámos. Com a nossa costela de direita a considerar justa a guerra que tenta travar a ameaça aos que nos são queridos e com a nossa costela de esquerda a abater todas as barreiras de protecção aos que mandamos combater por nós – um verdadeiro suicídio colectivo.
Nada do que atrás deixo escrito anula o gozo de ver na praça pública, graças à incompetência das poderosas secretas norte-americanas, mais uns tantos podrezinhos dos palermas que temos de gramar por cá.
Observador, crónica publicada na edição impressa da Sábado de 16 dezembro 2010