Alexandre Pais

Canto direto: o milagre de Gustavo

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Não há nada como a seta que nos atinge na própria carne para sentirmos como dói. Enquanto a angústia bate a outras portas, sentimos apenas um leve incómodo, e por vezes até, se não gostarmos de quem está em sofrimento, chegamos a admitir que se trata de justiça divina.

A classe futebolística, em particular a ala milionária minoritária, tem uma caraterística que percorre a generalidade dos seus membros: o egoísmo mais profundo. Com exceções que se contam pelos dedos, não os vemos envolvidos em causas, empenhados em solidariedade, preocupados com injustiças e desigualdades. Nada. Desconfiam de tudo e de todos, fecham-se nos balneários e nos condomínios, escondem as mulheres e os filhos, as casas e os carros, e quando dão entrevistas – só em favor dos próprios interesses – esforçam-se por falar apenas de futilidades, evitando emitir opiniões ainda que sobre os temas mais inofensivos.

Mas as pessoas são o tempo e as circunstâncias, e as estrelas da bola são também aquilo que fizemos delas, especialmente a comunicação social, que ao longo dos anos criou este caldo de cultura da individualidade mesmo que os pés sejam de barro.

O problema do filho de Carlos Martins foi a pedrada de que o charco do egoísmo precisava para se agitar. O balneário da Seleção abriu-se como por encanto, jogadores, técnicos e dirigentes apelaram sem preconceitos à ajuda que irá salvar a vida do pequeno Gustavo, e a Península Ibérica foi varrida pelo vento da esperança e da generosidade. Porquê? Por se compreender o drama da família Martins? Sim, mas principalmente porque as grandes vedetas do futebol, com Cristiano Ronaldo à cabeça, chamaram a si a dor do companheiro e decidiram avançar.

Pode ser que este triste caso, que vai ter um final feliz, seja o início de uma mudança de mentalidades. Gustavinho, ficamos a dever-te essa.

Canto direto, publicado na edição impressa de Record de 19 novembro 2011

Por Alexandre Pais
Alexandre Pais

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