Quando iniciei a atividade jornalística, a figura do revisor pairava na redação como a de um sábio. Eram famosos os debates, por vezes acalorados mas sempre corteses, sobre as grandes questões da Língua, em que participavam os jornalistas com mais estatuto, além dos chefes – que tinham sempre esse estatuto, já que eram escolhidos pelos méritos e não pelas amizades – e os homens da revisão, normalmente professores de Português com um segundo emprego, que muito sabiam da poda.
Essa época desapareceu. Com o tempo, os revisores deixaram de ser sábios e passaram a homens iguais aos outros. Em simultâneo, os jornalistas foram perdendo qualidades de edição ao transformarem-se em meros “coordenadores” das suas páginas ou “secções”, e permitindo assim que muitos “livres pensadores” escrevessem diretamente para os leitores. Como tudo na vida, uns fazendo-o bem, outros valha-nos Nossa Senhora.
O tempo das vacas magras trouxe por arrasto a redução dos quadros e o esmagamento dos níveis salariais, o que só não teve consequências demasiado dramáticas porque, entretanto, os corretores ortográficos integrados nos computadores foram substituindo a inteligência humana pela preguiça disfarçada de técnica informática.
Esta semana, na edição seguinte ao jogo de Portugal, com 30 páginas para editar entre as 23 horas e as duas da madrugada, fez a pressão de fecho com que alguém utilizasse o corretor – na última fase do trabalho e já sem “rede de proteção” – e selecionasse a função “mudar”, em vez da função “omitir”. O resultado foi a entrada direta de Record em novo capítulo do Grande Anedotário, obra em permanente atualização.
Como hoje mesmo assino, no “Correio da Manhã”, uma crónica sobre asneiras alheias, aqui me apresento, como Egas Moniz a D. Afonso VII, de baraço ao pescoço. Por favor, não apertem muito.
Canto direto, crónica publicada na edição impressa de Record de 30 junho 2012