Ganhei, na infância e na adolescência, quando não havia internet e o acesso ao conhecimento ia, para um jovem, pouco além dos manuais escolares, o gosto pelas personalidades históricas, pelos grandes desportistas e atores, e pelos heróis da banda desenhada. Semanalmente, procurava no Cavaleiro Andante ou no Mundo de Aventuras, não só os protagonistas imaginários como a descrição ficcionada do percurso terreno de figuras lendárias.
Para mim, era tão importante seguir o Tim-Tim na América, as sagas de Robin Wood, Zorro, Spartacus e Bufallo-Bill ou as investigações de Blake e Mortimer, como descobrir as intrigas na corte do Rei Sol, saber das malfeitorias de Robespierre na Revolução Francesa, conhecer os desígnios de Baden Powell e a genialidade de Chopin ou vibrar com a mítica rivalidade de Fausto Coppi e Gino Bartali, no Tour, e com o domínio absoluto de Juan Manuel Fangio, na Fórmula 1.
Com o tempo, fui aprendendo a distinguir as pessoas verdadeiramente relevantes dos ídolos de pés de barro e tornei-me mais seletivo nas paixões. Mas nos dias que correm tanto me integro no consenso face à extraordinária dimensão de Nelson Mandela, como não me deixo influenciar por opiniões divergentes e me mantenho fiel à admiração pelos ideais de generosidade de Ernesto Che Guevara, o guerrilheiro da utopia que largou o conforto do poder alcatifado, em Cuba, para combater o que entendia serem as forças da iniquidade, nas florestas da Bolívia – e lá encontrar o martírio e a morte.
Recordo hoje, com idêntica admiração, Adolfo Suárez, chefe do governo espanhol por cinco dificílimos e tormentosos anos, e agora desaparecido. Mas não o faço pelo seu papel na entrada do país-vizinho no mundo democrático, pois aí a História é fértil em heróis. Inesquecível, sim, é a sua outra coragem, a física, exibida em contexto brutal, num daqueles momentos em que os humanos conhecem os seus limites e mostram de facto o que valem. E no dia 23 de fevereiro de 1981, quando o golpista Tejero Molina, à frente de 200 guardias, entrou no Congresso de Deputados, de arma em punho e a gritar ¡al suelo, al suelo!, só dois valentes não se meteram por baixo das bancadas: Adolfo Suárez e o general Gutiérrez Mellado, que tinha sido seu ministro da Defesa. Não é para todos. Curvo-me perante a memória de um Homem.
Observador, Sábado, 27MAR14
Adolfo Suárez, um herói inesquecível
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