Alexandre Pais

A renovação de Casillas ou a velha doença bipolar

A

É já um clássico. Quase todos os agentes desportivos, adeptos incluídos, sofrem de uma espécie de doença bipolar: tão depressa vivem nas nuvens como entram em depressão.
O caso de Casillas é paradigmático. Quando o FC Porto o conseguiu contratar, a euforia foi total. Pela categoria do jogador, pela dimensão da marca, que ultrapassa o estatuto futebolístico, pela projeção mundial dos dragões, que claramente aumentou. Poucos valorizaram o esforço financeiro feito pelos portistas, tínhamos o Iker connosco e o resto era conversa.
Porque o título de campeão não chegou e pelo facto de o guarda-redes não poder, só por si, ganhar os jogos, o entusiasmo esfriou ao cabo da segunda temporada. Isso preparou o terreno para que a sua partida não fosse vista como um problema e alimentou também a teoria, errada como se veria, de que José Sá – esquecido o erro de anterior aposta em Fabiano – poderia significar o mesmo para a equipa e por muito menos dinheiro. E foi fácil a Sérgio Conceição afastar Casillas, deixando a ideia de que não teria já a motivação de outrora e pior – como aqui salientei na altura – que ele não se empenharia nos treinos de modo a justificar a titularidade. Estava acabado e pronto.
A oportunidade era boa, janeiro aproximava-se, mercado para Casillas ainda existia e uma poupança de 5 milhões de euros seria providencial numa sociedade desportiva que precisa desesperadamente de reequilibrar as finanças. Então, a comunicação social não falhou aos portistas, sublinhando o afastamento e alimentando o divórcio iminente: Iker era demasiado caro e demasiado importante – e não aguentaria o facto de ter sido preterido. Desprezá-lo foi a decisão, tocar-lhe no profissionalismo um pobre achado.
Correu-lhes mal. Casillas não é um mercenário, nem um badameco, é uma estrela. Basta acompanhar a sua conta no Twitter para se ver a qualidade do bicho. Aceitou a decisão de Sérgio, recusou sair, concentrou-se no trabalho, manteve a positiva e irrepreensível atitude que precede a aceitação e admiração que provoca no grupo, e tornou-se, naturalmente, num capitão sem braçadeira. Depois, veio ao de cima o inevitável: uma exibição menos feliz de José Sá. Era o tempo para Sérgio Conceição virar a agulha – e dar a Iker o lugar que lhe tinha tirado, não a importância que, em boa verdade, nunca perdera.
Duas ou três atuações no seu patamar bastaram para que Casillas voltasse a ser motivo de sonho. Já não está acabado, vistas bem as coisas nem será assim tão caro, tendo em conta a segurança que proporciona à equipa. O melhor, se calhar, era renovar-lhe o contrato – “quem me dera”, diz Pinto da Costa, quebrando o silêncio mortal da fase depressiva –, evitar a lotaria de procurar um substituto e dar tempo a José Sá para vir a ser o que ainda não é. Com a derrota de ontem, a necessidade agudizará o engenho e a palavra de ordem vai ser convencer Iker a baixar o salário e a ficar. Os mauzões de ontem são hoje, de novo, os cordeirinhos que o receberam com foguetório.
Outra vez segunda-feira, Record, 12MAR18

Por Alexandre Pais
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