Alexandre Pais

A primeira grande cisão no PS

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Desgraçadamente adequada aos nossos dias, a frase é do poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade: “Que século, meu Deus! – exclamaram os ratos. E começaram a roer o edifício”
A primeira grande cisão no PS
A acção contra-revolucionária de 28 de Setembro de 1974, que opôs militares conservadores aos puristas do 25 de Abril e levou à demissão do Presidente António de Spínola, dividiu igualmente a sociedade civil, nomeadamente o Partido Socialista, com a linha do poder popular, marxista, a confrontar-se com a moderada, parlamentar e social-democrata.
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Em Novembro, no segundo congresso do PS, o primeiro em liberdade, digladiaram-se as facções, com o combate entre Mário Soares e Manuel Serra, tendo sido decisivo para a vitória do secretário-geral – com 56% contra 44% dos votos – o discurso arrebatado de Manuel Alegre, o mito de Argel, acabado de chegar ao partido.
No mês seguinte, Serra deixaria o PS para transformar o seu movimento, o MSP, na Frente Socialista Popular, que concorreria às eleições de 1975, ganhas pelo Partido Socialista, com 37,9%. “Os 44% de militantes revolucionários da classe trabalhadora”, de Serra, não o acompanharam – obteve apenas 1,2%.
Portugal não seria hoje o que é se outro fosse o desfecho desse congresso, mas a partir daí o peso político de Manuel Serra foi desaparecendo. Abandonado por aqueles que só seguem o poder e os poderosos, e atacado pela imprensa de direita – os Bilhetes Saloios de Fernanda Leitão, dedicados ao Manecas das Intentonas, em O Templário, semanário de Tomar, ficaram famosos pela inusitada violência (ver exemplo na imagem) – restou ao velho revolucionário o carácter de alguns amigos que, até à sua morte, em 2010, sempre lhe exaltaram a valentia e a generosidade.
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Manuel Serra: da Juventude Operária Católica aos golpes da Sé e de Beja
Nascido em 1932, aos 18 anos já Manuel Serra militava na Juventude Operária Católica. Em 1959, participou no Golpe da Sé, liderando os revoltosos civis, e foi preso. Fugiu do Hospital Curry Cabral e da embaixada de Cuba, disfarçado de padre, exilou-se no Brasil e voltou para o Golpe de Beja, em 1962. De novo preso, foi violentamente torturado pela PIDE. Saiu da cadeia em 1972, voltando a ser preso (foto) em Novembro de 1973.
Parece que foi ontem, Sábado, 5MAI14
A fuga da rataria
Tenho por António José Seguro a mesma simpatia que sentia por Pedro Santana Lopes quando a grossa maioria da opinião publicada trabalhava a pública – primeiro, com acusações sistemáticas e críticas pelo que ele fazia, pelo que deixava de fazer e pelo que se dizia que permitia que outros fizessem; depois, com a campanha final de ódio.
Seguro tem os dias contados na liderança do PS, pois o que move a política, os partidos e os militantes é a conquista do poder e das benesses, e é fácil admitir que a experiência de António Costa – com obra feita na Câmara de Lisboa – o torne mais qualificado para vir a ser primeiro-ministro.
Mas o que de facto anuncia o fim do mandato do actual secretário-geral socialista é a movimentação da rataria, que já cheirou a entrada da água no porão e sabe que o instinto de sobrevivência é agora o chefe até à chegada do novo dono. E quando partem, os ratos não têm vergonha, não fogem para ver no que dá, não fogem com respeito por quem serviram, não fogem simplesmente para viver. Fogem com as desculpas dos cobardes, fogem alegando “graves divergências” com quem antes beijavam na boca, fogem já com vénias e bajulações àquele que juram querer ajudar – para um dia o traírem também.
Um líder que aceita esta gente não vai longe, fica ferido de morte. E foi o caso.
Observador, Sábado, 5MAI14

Por Alexandre Pais
Alexandre Pais

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