“É preciso provocar confusão. Isso promove a criatividade. Tudo aquilo que é contraditório gera vida” – Salvador Dali, pintor surrealista, 1904-1989
No verão de 2000, quando enviei a repórter Filomena Araújo para Barrancos, à procura da família do Zé Maria – o cromo que fez o sucesso do primeiro Big Brother e com ele o da TVI – tomei a decisão que daria balanço para mais dez anos de publicação ao diário 24horas, que agonizava então, com vendas de 10 mil exemplares. Mas não o fiz por inspiração divina ou por ter descoberto a pólvora, limitei-me a pensar no que faria no meu lugar o José Paulo Fafe, um génio do jornalismo com quem tive o privilégio de trabalhar.
Nas páginas 50 a 52 desta edição, recordamos a extraordinária reportagem da primeira série da Sábado, conduzida pelo Fafe – ou pelo subchefe Freitas, o polícia que tratou da segurança do ministro Almeida Ferreira na sua incrível e divertida deambulação pelo País.
Filho do embaixador Fernandes-Fafe, excelente em relações públicas, ágil na escrita, amigo do seu amigo, marketeer e mestre da inquietação permanente, o Zé Paulo cometeu a proeza de dirigir – por cima do diretor! – o semanário Tal&Qual na sua melhor fase do final do século 20, com trabalhos inovadores que fizeram história. Para mim, foi também decisivo: só com ele, que ainda para mais me apoiou quando a chuva batia forte, concluí o mestrado e fiquei pronto.
Políticos, militares e jornalistas foram à Ajuda abraçar o desertor
Acusado de ter desertado, José Paulo Fafe esteve detido, na Primavera de 1991 – pouco antes da reportagem da antiga Sábado, em que surgiu na pele do subchefe Freitas – na cadeia militar de Lisboa. E foi um bater de pala permanente das sentinelas na hora das visitas. De Ramalho Eanes a Luís Filipe Menezes, de Pedro Santana Lopes a Joaquim Letria ou Rui Gomes da Silva, foram dezenas as figuras castrenses, da política e da comunicação social que estiveram no quartel da Calçada da Ajuda para darem um abraço ao generalíssimo Fafe, como lhe chamaram num artigo…
Uma reportagem do tempo em que se podia investir
Se fosse agora, dificilmente uma publicação poderia gastar o que custou à Sábado de há 25 anos organizar a comitiva do falso ministro do Equipamento Social e levá-lo a percorrer o País: 700 contos, cerca de 7 mil euros a preços atualizados. Nesse tempo, os jornalistas ainda só se preocupavam – e era assim que devia poder ser – com o serviço a prestar aos leitores. Mais tarde, com os jornais em contenção, a TV empunhou a batuta da despesa com a criatividade, mas hoje, submetidos ao poder da realidade, já todos trabalham em função do retorno que possa haver do investimento. E a verdade é que se as boas práticas de gestão tivessem chegado mais cedo, muitos títulos não teriam encerrado. Lições da vida.
Parece que foi ontem, Sábado, 14JAN16
José Paulo Fafe, o mestre da inquietação
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