Como é meu hábito, lia no sábado o diário “Marca”, e desfrutava da excelência da crónica “Comprimidos”, que preenchia na totalidade a última página do melhor desportivo espanhol, quando dei comigo a pensar na caterva de anos que tiveram de decorrer para que o autor do texto, Juan Ignacio Gallardo, chegasse a diretor daquele jornal.
Na minha década à frente do Record, o título de Madrid trocou quatro ou cinco vezes de responsável editorial, tentando que “a frescura de um novo olhar” – como Bárbara Reis definiu, no seu texto de despedida da direção do “Público”, a necessidade de mudança – travasse a quebra de vendas que desde o início do século atingiu as edições em papel por todo o Mundo.
A cada substituição de líder, a “Marca” mudava tudo, do grafismo ao alinhamento do jornal, da composição das direções e chefias à escolha dos colunistas. Mudava tudo, não, porque duas opções resistiam: as aberturas de edição, largamente dedicadas ao Real Madrid, e a permanência de Juan Ignacio Gallardo no núcleo duro do diário – ou muito perto dele.
Só o conhecendo através de amigo comum – e ele que escreveu no Record tantas vezes! – sei bem porque sobreviveu Gallardo às sucessivas purgas. Por um lado, porque a sua qualidade era superior à das sumidades a quem a “Marca” inutilmente recorria. E por outro, porque os diretores fabricados pelo marketing pessoal percebem pouco de jornais e precisam de um artesão, com conhecimento e tarimba, para os colocar no mercado. A vaidade e a pretensão esfumam-se em meses, são curtas para a dura luta dos dias que vivemos.
Canto direto, Record, 17OUT16
Gallardo
G