Fui julgado pela segunda vez na vida, acusado do crime de abuso de liberdade de imprensa, um guarda-chuva amplo onde cabe tudo o que o Ministério Público quiser. Mesmo que em fase de inquérito se explicasse que o criminoso nada tinha a ver com o que foi publicado, por não se encontrar sequer de serviço, o caso seguiu para julgamento. E ainda que em juízo se provasse a referida ausência do local do crime, o MP continuou, até ao fim, a pedir a condenação. Incrível? Sim, mas só para quem não conhece a justiça portuguesa.
Tal como na ocasião anterior, fui absolvido. E não o devo a um acaso porque um acaso poderia ter feito com que fosse condenado – nada em Portugal, nem o que parece mais óbvio, é hoje garantido. Devo-o, sim, a um jovem juiz que, percebendo pouco do funcionamento de uma redacção, conseguiu distanciar-se para tentar compreender a gestão do caos e procurou julgar com isenção. Creio ser discutível a sentença que condenou alguns dos arguidos – eram vários porque o queixoso tem uma fonte a jorrar dinheiro – mas devo valorizar a clareza da que absolveu outros. Num país de mentirosos e aldrabões, um país onde tudo pode acontecer, haver juízes em Berlim é, na prática, a única defesa dos cidadãos contra os desmandos da própria justiça. Chapeau!
Observador, Sábado, 17JUL14
Ainda há juízes em Berlim
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