Confesso-me espetador fiel da charla dominical de Marcelo Rebelo de Sousa, na TVI, e do plus que constituiu o contraponto leal e sereno, e ao mesmo tempo vivo e profissional, de Judite Sousa. As audiências, aliás, confirmam que faço a escolha certa. Mas as boxes milagrosas permitem que, finda a lição do professor, se assista ao desempenho integral de José Sócrates, na RTP1, agora valorizado pelo sal e pimenta, muita pimenta, que José Rodrigues dos Santos trouxe à antena para substituir a simpatia de Cristina Esteves – com menor capacidade para contrariar o poder de comunicação e as técnicas de combate no uso do verbo do grande performer que é o ex-primeiro-ministro.
Sócrates perde para Marcelo, é sabido. Afinal, um governou no período em que o Mundo desabou e a Europa mandou gastar, enquanto o outro se transformou em instituição nacional a criticar a interminável azelhice alheia. Mas o antigo líder do PS perde também porque insiste em acertar contas com os que se opuseram à sua austeridadezinha para imporem a austeridadezona que nos afoga. A vida é o que é, os rios não correm para a nascente e o que importa é o que há-de vir. Descobrir janelas de esperança para o futuro é o que devíamos poder esperar de Sócrates e do conhecimento que tem dos problemas.
Acontece que o seu espaço televisivo se tornou mais irresistível desde que “o Rodrigues dos Santos”, como letalmente trata o interlocutor, resolveu – ou alguém por ele – brindar-nos com a sua fabulosa inteligência e argúcia inquiridora. E as hostilidades abertas entre os dois, a 23 de março, conheceram no último domingo um autêntico happening, com Sócrates a enfrentar um bombardeamento – com material dos “seus arquivos” como depreciativamente classifica, de dois em dois minutos, o arsenal jornalístico do pivô da RTP – e a ripostar com tiros de canhão como “o Rodrigues dos Santos ouviu mal, se tivesse ouvido com atenção…” ou “tem andado distraído” e “está equivocado”, ou ainda “mais uma vez os seus arquivos deviam ter dado nota disso”.
Sem conseguir esconder a irritação que lhe provoca o facto de ser contrariado, o chefe do anterior Governo aproveitaria a referência de José Rodrigues dos Santos ao seu papel de “advogado do diabo” – inoportuna justificação – para detonar a bomba atómica: “Até o advogado do diabo pode ser inteligente e pode perceber, não basta papaguearmos tudo o que nos dizem…”
A face do autor de sucesso fez-se pedra, até final da rubrica. A réplica, “fica registado o seu insulto, ao qual não vou responder”, teve classe, mas dececionou quem gosta de sangue. Se fosse a Rodrigues dos Santos, escrevia um novo best seller. Entre Vilar de Maçada e Chelas, nada de Constantinoplas.
Observador. Sábado, 10ABR14
O Rodrigues dos Santos
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