Uff!… A minha filha Inês fez 18 anos, tirou a carta, comprou carro e entrou para a faculdade graças a uma média de 17 valores no final do 12.º ano. Não, o meu suspiro de alívio não tem propriamente a ver com o facto de ter atingido um primeiro patamar da vida adulta e com a assunção de novas responsabilidades, antes se deve a uma fortíssima probabilidade que não se concretizou: ela não mede 1 metro e 75 ou 76, como cheguei a temer, e vai ficar pelos 1,72/73, ou seja, três centímetros – três bem-aventurados centímetros! – abaixo dos mínimos que lhe permitiriam alcançar algum sucesso como manequim.
Pai desnaturado este, pensará o leitor, um pai que se vangloria de algo que poderia ser tão bom para a sua filha… Pois é, aí começam as minhas divergências daquilo que tantos papás bem-intencionados desejam para os seus meninos: uma vida de estrelas, com fama, dinheiro ganho com esforço reduzido e, se possível, muitas idas à televisão e imensas capas de revista. A vitória do parecer e da beleza efémera, a glória da inveja pública e, muitas vezes, a chegada inesperada de algum retorno financeiro – uma bênção nesta conjuntura de dificuldades sem fim – são bem mais apetecíveis do que horas infindas de estudo e de sacrifício de momentos livres, e do autêntico martírio constituído pelo trabalho e pela conquista do conhecimento.
Dir-me-ão que não faltam exemplos de manecas que conseguem conciliar uma carreira nas passarelas com uma licenciatura ou um curso profissional. É uma realidade. O problema é que, tal como os recursos naturais não chegam para todos os habitantes do Planeta, também as oportunidades no nosso limitadíssimo mundo da moda não irão além de uma porta aberta por 10, 20 ou 100 que inapelavelmente se fecharão. E não estou certo de que uns anos de desregrada utilização do tempo, de alguma ilusão financeira e de um quase inevitável deslumbramento pelas facilidades de uma vida agradável mas enganadora não causassem prejuízos irrecuperáveis no futuro.
Eu sei que há pais que se alarmam mais com outros perigos. As filhas passam a não se alimentar correctamente porque a ditadura da elegância se impõe. Deixam de poder ser controladas porque as ausências da casa de família se multiplicam. Conhecem figurinhas e figurões que em nada se recomendam. Consomem álcool em doses mais elevadas ou são tentadas por incursões ao inferno dos estupefacientes – algo que me incomoda menos, talvez por ter pouca relação com a moda e muita com a época desgraçada que atravessamos. Mas, em boa verdade, preocupemo-nos ou não, os nossos filhos percorrerão, inexoravelmente – e podendo até ser cruéis –, o seu próprio caminho.
Observador, crónica publicada na edição impressa da Sábado de 14 outubro 2010