Alexandre Pais

Os treinadores não são como os melões

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Roger Schmidt pode ser o novo treinador do Benfica? Sim, e daí? Vai correr às mil maravilhas? Se a escolha de um responsável técnico fosse uma ciência, bastava encomendar um estudo e mandar vir o grande artista. Felizmente não é assim porque essa incerteza também faz parte da magia do futebol.

Os treinadores não são bem como os melões porque normalmente já vêm abertos e podemos supor-lhes a qualidade. O que é mais difícil, ou mesmo impossível, é ter em conta os imponderáveis que afetarão ou beneficiarão a sua atividade – e é disso que dependerá quase tudo. Trata-se, portanto, de uma questão de fé.

Um caso de melão aberto é o de Paulo Sousa, que já havia mostrado do que é e do que não é capaz, pelo que me surpreende que dirigentes experientes, como os do Flamengo, não conseguissem perceber que ele não dispunha do perfil adequado para treinar o Mengão. E a seguir aos métodos supostamente revolucionários, divulgados para gáudio da galeria, lá vieram duas finais perdidas e o triste espetáculo da ira dos adeptos a ‘abanar’ os carros dos jogadores. Não tarda que se leia por aí que ‘Paulo Sousa bate com a porta’, na tentativa de disfarçar o despedimento.

Aliás, este ‘adormecimento’ inexplicável, que leva quem manda nos clubes a fazer as piores escolhas, não é exclusivo de ninguém. Depois da opção aventureira por Andrea Pirlo, a Juventus recuperou Massimiliano Allegri – um melão abertíssimo – que logo permitiu que se pensasse que a culpa do insucesso anterior era de Cristiano, enquanto mantinha no plantel milionários veteranos e acomodados para quem a ambição é zero. O resultado está à vista. A derrota com o Inter, em Turim, terá afastado de vez a Juve da luta pelo título, e o quarto lugar, se acontecer, acabará por não ser mau de todo porque qualifica para a Champions.

O Manchester United é outro exemplo de falta de jeito para tomar decisões importantes. Os proprietários erraram quando despediram David Moses, quando perderam José Mourinho e até quando dispensaram Solskjær – para irem recrutar Ralf Rangnick como ‘interino’ (?), com a promessa de lhe darem emprego em Old Trafford no final da época, coisa de amadores.

Definido como estratega brilhante e um autêntico ‘professor’, o técnico alemão – um melão claramente no limite do prazo – não foi capaz, quatro meses após iniciar o seu trabalho, de mostrar obra feita. O United conseguiu perder até com um Everton em crise, numa partida em que foram flagrantes as maiores pechas da equipa: falta de intensidade e falta de capacidade para ‘sair a jogar’ – a bola sai dos pés dos defesas e raramente não morre no meio campo. E se não chega aos avançados, como podem eles fazer golos? E um treinador que não resolve isto, está lá para resolver o quê? Certo, certo é que a próxima Liga dos Campeões se foi.

Daí que a anunciada aposta benfiquista por Roger Schmidt não deva provocar entusiasmos por aí além. Cai de paraquedas num país, numa língua, num futebol e numa ‘entourage’ levada da breca – que não conhece e correndo sérios riscos de nunca vir a conhecer. Mas a vida é uma aventura e o seu percurso é interessante. E se ninguém pode garantir-lhe sucesso, o contrário é igualmente verdadeiro. Afinal, quem sabe se não será mesmo ele a retirar do plantel do Benfica todo o potencial de que dispõe…

Outra vez segunda-feira, Record, 11abr22

Por Alexandre Pais
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