A vida tem crueldades destas. José Torres teve de ser submetido a longos anos de um sofrimento atroz, dele e da sua dedicada família, para morrer aos… 71.
Não era por acaso que lhe chamaram – que lhe chamámos nós, jornalistas – o “bom gigante”. Torres foi, de facto, além de um enorme jogador, um homem exemplar, um companheiro leal, um conversador cativante, um amigo do seu amigo.
Trabalhou sempre muito e bem, jogou até aos 40, foi treinador e selecionador nacional, e ficou igualmente famoso por ter proferido a frase “deixem-me sonhar”, antes de qualificar Portugal para o Mundial do México, em 1986, com um histórico triunfo sobre a Alemanha, em Estugarda – 0-1, golo, grande golo, de Carlos Manuel.
Bom gigante e bons tempos esses em que a Seleção Nacional ainda era dirigida por homens iguais aos outros. Homens que não tinham tirado cursos, nem estagiado com os suprassumos. Homens que desconheciam telemóveis, computadores e programadores. Homens que não sabiam falar inglês, nem italiano, nem espanhol, e para os quais o português tinha dias. Homens talvez até um bocadinho básicos num ou noutro aspeto, mas que tudo superavam com uma dedicação absoluta à causa, na velha escola de Churchill do “sangue, suor e lágrimas”.
Este celerado “caso Queiroz”, que não foi evitado por desnorte, que não foi resolvido por falta de coragem, que ganhou proporções absurdas por interesses políticos escusos, acabou por redundar – como inutilmente advertiu José Mourinho porque os surdos não ouvem – em prejuízo da própria Seleção.
Se antes do jogo de ontem alguém tinha dúvidas sobre os efeitos nefastos desse imbróglio nos jogadores, ficou certamene esclarecido depois de ver como a barraca abanou. E o pior estará para vir porque ninguém nos vai conseguir livrar desta gente que ceifa até o direito a que o ser humano mais recorre – o de sonhar.
Minuto 0, publicado na edição impressa de Record de 4 setembro 2010