Ao ver o cinematográfico desembarque, em São Bento, da fina-flor que dirige o fenómeno da bola, e com o que me resta de estúpido otimismo, acreditei que depois da fase aguda da covid-19 a “nova realidade” nos pudesse trazer – quanto mais não fosse pela estrita necessidade de unir esforços pela sobrevivência – uma acalmia na selvajaria que carateriza, há décadas, o futebol português.
Mas como diz o povo, burro velho não aprende línguas, pelo que rapidamente as ancestrais animosidades se reacenderam. E para não massacrar o leitor com uma lista exaustiva e entediante, dou apenas como exemplo dos desentendimentos eternos com que continuamos a lidar a espúria luta que Marítimo e Nacional travam por nenhum outro motivo que não seja o ódio – profundo e aberrante.
No meio da caterva de divergências que se vão acumulando, surge esse cordeiro em imolação que é Pedro Proença. Sem experiência como dirigente, saltou praticamente da arbitragem para a liderança da Liga, prestando-se, então, a instrumento dos interesses conjunturais. E um dia, como tantas vezes acontece aos novatos na intriga e aprendizes na estratégia, a criatura resolveu desligar-se do criador. Quis pensar pela sua cabeça e julgou que seria autorizado a ter vida própria. Mas caiu no tanque dos tubarões – até a NOS foi chamada a abocanhar a vítima no “timing” adequado – e em breve pouco restará dele… Que ingenuidade!
É neste caldo da “velha realidade” que se irá reiniciar o campeonato principal, a tentativa sanitariamente arriscada de salvar da insolvência muitos clubes, com o alto patrocínio de Nossa Senhora de Fátima. E bem se precisa do apoio mariano para que – entre testes positivos que afinal são negativos e testes negativos que a mesma ilusão nos leva a admitir que possam ser positivos, tal é a incompetência – os jogos venham a decorrer de modo que permita terminar a prova. Mas até disso se duvida porque os fantasmas, hibernados desde março, começam a despertar. Na CMTV, o comentador Jorge Amaral, afeto ao FC Porto, já alertou para o perigo de, a seguir à covid-19, vir aí o… coVAR-20. A coisa promete.
Deixo ainda uma palavra de admiração para David Luiz, que revelou ter recusado, no passado, uma proposta do FC Porto, optando por permanecer fiel ao Benfica. “Não cuspo no prato onde comi”, explicou o central brasileiro do Arsenal, de 33 anos. Trata-se de um exemplo para os profissionais frios e sem chão, uns tristes que trocam a possibilidade de ser referências de um grande clube por mais um punhado de notas. Chapeau!
O último parágrafo para corrigir um dado errado que dei aqui (não neste blog mas na edição em papel do Record) há uma semana e pedir desculpa aos leitores. Escrevi que Portugal tinha 84 mortos por milhão de habitantes, devido ao coronavírus, quando eram, de facto, 118. Hoje, já são 128. Intitulando-se a crónica “E se em vez de inteligentes formos burros?”, nunca pensei que houvesse outro asno a somar à lista. É a vida.
Outra vez segunda-feira, Record, 25mai20
Eis de volta a velha realidade de sempre!
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