Como aqui referi, o advento da bola de cauchu, que trouxe consigo a popularidade de outros modelos de borracha, marcou o fim da velha “trapeira”. Em Canas de Senhorim, em 1956 ou talvez 1957, o padre Domingos, entusiasmado pelo talento futebolístico de alguns miúdos da catequese, resolveu adquirir uma bola a sério e pô-los a competir no campo da Urgeiriça. Eram 11 contra 11 e ganhava sempre a equipa do António “Míscaro”, um geniozinho que fazia a cabeça em água aos defesas calmeirões como eu ou o Armando – saudades tuas, pá! – que o abade repreendia com a frequência com que nós travávamos, à bruta, o baixinho endiabrado.
Continuei a jogar nos anos seguintes, menos no Pedro Nunes, onde o desporto era ainda visto como um “desvio” para os cábulas, e mais – muito mais – nos Salesianos do Estoril, cuja escola de virtudes assentava em três pilares: o estudo, a religião e o desporto. E foi precisamente aí, já na década de 60, que eu terei perdido de vez a possibilidade de vir a ter uma carreira no futebol, pois o meu metro e 80 e muitos, de então, era constantemente requisitado para os torneios de voleibol da Mocidade Portuguesa.
Como se não bastasse, um professor de ginástica do colégio, que estava ligado ao Sporting e à organização do Primeiro Passo – torneio de captação de novos praticantes – um dia perguntou-me: “Já reparaste por que letra começa a palavra atletismo? E voleibol começa por qual?” E lá me convenceu a ir treinar para Alvalade, eu a pensar nas corridas e ele a achar que o meu perfil se adequava ao lançamento do dardo, uma modalidade dificílima para principiantes. O resultado não podia ter sido pior. Queria correr os 400 metros e puseram-me nos 100, e à última hora pedi para ir ao salto em comprimento – e fui eliminado nas duas provas. Não, o meu caminho não era por ali.
Um derradeiro parágrafo para o futebol a sério, cujo regresso continua envolto pela escuridão, por muito que clubes e entidades reguladoras tentem gerir expetativas e fazer planos. Depois da Bélgica – que tem mais um milhão de habitantes que Portugal e soma mais de sete mil (!) mortos pelo coronavírus – foi agora a vez da Holanda, igualmente bastante fustigada pela pandemia, dar a sua liga como terminada. Por cá, alguns clubes vão marcando treinos, mais para sublinhar uma vontade do que para retirar vantagem de uma preparação sem carga competitiva. Porque a decisão virá do Governo, que depende do bom senso próprio e das indicações dos cientistas – que certezas também têm poucas. E se a abertura gradual das atividades fizer recrudescer o número de infetados? Ontem, o diretor do hospital universitário Charité, de Berlim, Christian Drosten, o mais respeitado virologista alemão – segundo uma sondagem do “Bild” – foi claro no aviso: a próxima vaga da Covid-19 será “mais poderosa e incontrolável”. Vade retro, Satanás!
Outra vez segunda-feira, Record, 27abr20
O ecletismo que liquidou uma carreira
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