Em Itália e em Espanha, os mortos diários pelo coronavírus são às centenas neste final de março – no sábado, 651 e 347, respetivamente – e alguns maluquinhos da bola continuam em negação. Nem a dureza da realidade os acorda lá no mundo imaginário onde vivem. O presidente da Liga espanhola, Javier Tebas, adiantou os meados de maio – realizando a partir daí quatro jogos em 10 dias! – para prosseguir o campeonato. Como se em seis ou sete semanas se estancasse a tragédia e se reunissem ainda as condições – que vão do recomeço dos treinos até à capacidade de recrutar meios humanos num país devastado – para se poder jogar. Já os ingleses são mais “prudentes” na fantasia: apontam para 1 de junho…
Por cá, Pedro Proença não fez melhor figura ao afirmar que “estamos na antecâmara de voltar com maior celeridade à normalidade das competições”, olhando também para maio como um peregrino olha para Fátima. Mas se o voluntarismo é dele, o respaldo vem da própria UEFA, onde a perda de milhares de milhões de euros ensandece os espíritos. Ao adiar o Europeu para 2021, Aleksander Ceferin libertou datas e levou as federações nacionais a aceitar “o compromisso de concluir todas as competições nacionais e europeias de clubes até 30 de junho” ou até mais tarde, atrasando o início da temporada seguinte.
Esta visão de um mundo que já não existe é contrariada pelos números aterradores que castigam particularmente a Europa, e pela expetativa dos homens da ciência que o futebol desvaloriza: afinal, sabem lá esses doutores o que é fazer pressão alta ou baixar as linhas…
Uma das vozes antifantasistas que se ouviram no planeta Terra foi a do virologista alemão Jonas Schmidt-Chanasit, do Instituto Berhard-Nocht, de Hamburgo – e atenção que a Alemanha regista menos de meio por cento (ontem, 0,36%) de casos mortais entre os seus infetados – que não acredita que os campeonatos possam ser retomados em poucos meses. Adianta, mesmo, que isso só acontecerá em 2021, desmistificando em simultâneo a habilidade da realização dos chamados “jogos à porta fechada”, que obrigariam à porta aberta das salas onde os adeptos se juntariam para assistir às partidas e propagar o vírus. Para dar de barato os treinos e as deslocações que os jogadores teriam de efetuar em conjunto, o que só poderá ocorrer quando o perigo de infeção estiver afastado de vez – e isso não sucederá tão cedo.
Sim, porque a catástrofe da covid-19 não se extinguirá com a diminuição dos casos e não existindo aquilo que Mark Woolhouse – professor de Epidemiologia na Universidade de Edimburgo – classifica como “estratégia de saída”, o coronavírus regressará em força mal o afastamento social e as precauções sanitárias extremas forem abandonados. O Mundo precisa de uma vacina e não a terá antes de um ano. E quando a dúvida reside nas possibilidades de se poder desenvolver ou não a próxima época, os furiosos dramáticos julgam, ou querem que julguemos, que a partir de maio ou junho a alegria do povo – e fonte dos seus rendimentos – voltará. Se não são mentirosos, são tontos.
Outra vez segunda-feira, Record, 23mar20
Nota – Mas como ainda há quem não tenha ingressado no manicómio, a UEFA já veio dizer que não haverá final da Champions e da Liga Europa, e o Executivo espanhol, hoje mesmo, comunicou à Federação e à Liga de Futebol do seu país que as competições recomeçarão “quando o Governo autorizar”. Acabou o delírio. Só nas últimas 24 horas morreram em Espanha 462 pessoas…
Maluquinhos da bola vivem no mundo da fantasia
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