Jogou tão pouco o Sporting nos anteriores desafios para o campeonato, que só a devoção, correspondida, pela Senhora dos Aflitos dos Últimos Minutos, com acompanhamento à Capela, evitou a perda de preciosos pontos. Mas ontem as preces já não foram ouvidas, numa partida em que os leões acabaram por cima e mereciam, enfim, que a sorte não os abandonasse.
O sábio. Não se tratou só de sorte, mas também de duas intervenções enormes de Casillas, uma no início, aos pés de Doumbia, outra ao cair do pano, a apagar a velha estrela de Montero – que tarda, aliás, em reaparecer. O primeiro lance teria trazido realidade diferente, do segundo poderia ter resultado o justo empate. Sábio foi Sérgio Conceição, que passada a tentativa de se ver livre de um peso financeiro no mercado de janeiro – talvez Iker tivesse a fragilidade mental de Júlio César… – recuperou o espanhol mal José Sá se confrontou com a sua inexperiência. Este 2-1 é de ouro.
Meia falta. Jorge Jesus gosta de Doumbia, que até joga lesionado se ele precisar, como revelou. Compreende-se porquê perante a generosidade do costa-marfinense, que correu que se fartou, fez a cabeça em água aos centrais portistas e sofreu uma falta para meio penálti. Só não foi feliz porque fez teatro a mais após a disputa da bola com Diogo Dalot e se deixou enganar por Casillas no momento decisivo. E a tanto esforço se deu que rebentou.
Bolt em Mathieu. No início da temporada, apontei a pouca velocidade de dois centrais pesados como Coates e Mathieu, tendo sido abordado por um adepto do Sporting que me disse que o francês era um dos jogadores mais rápidos no Barcelona, a correr 80 metros. Não duvido, mas ao que eu me reportava não era ao Bolt que existe dentro dele. Era sim à sua falta de velocidade sobre a bola, ontem bem demonstrada no centro que permitiu a Gonçalo Paciência e que viria a dar no golo da vitória portista. Viram como Coentrão se virou para ele a perguntar como era?
Por falar em Coentrão. Existe um Sporting antes e depois de Fábio Coentrão. Ele zanga-se com os adversários, manda vir com os colegas, interpela os árbitros, vira enfermeiros de pernas para o ar e discute até com Jorge Jesus, recorrendo a gestos e expressões tão fraternas que facilmente calculamos a fidalguia da linguagem comum. É um espectáculo dentro do espectáculo, dado por um futebolista talentoso mas totalmente fora da caixa. Que Fernando Santos não volte a deixá-lo de fora!
Uma divagação. A oito pontos do FC Porto, que na verdade são nove, Jesus bem pode começar a pensar na indemnização pela época que lhe falta em Alvalade, já que ao falhar o título pela terceira vez consecutiva verá a sua cabeça servida em bandeja de prata aos sócios como responsável pelo fracasso – só a conquista da Liga Europa poderia, talvez, mudar a direção do vento. E não sei porquê, eis que me vem à ideia a celerada designação de “palhaçada” com que André Vilas Boas reagiu, há oito anos, a uma manchete do Record que dava como certa, e bem, a assinatura de um pré-acordo do treinador com o Sporting. Mas que raio é que isto tem a ver com os dias de hoje? Nada, seguramente, são divagações próprias da idade que avança.
Contracrónica, Record, 3MAR18
A injusta Senhora dos Aflitos dos Últimos Minutos
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